terça-feira, janeiro 22, 2013

Serra da Estrela, 27 Janeiro de 2007

O comum é os homens serem mais pequenos que a montanha, mas às vezes é preciso fazer-se alto, calçar as botas e "engradecer", tornar maior.

Era Janeiro e a neve tinha tomado um pouco por todo o lado as formas da montanha. A Estrela, não a mais alta, mas a mais bela, estava coberta do manto branco que se estendia por toda a sua cadeia e que tinha caído também nas maiores altitudes. Bem perto, o Caramulo também tinha neve, resultado dos fortes nevões nas terras altas do final de Dezembro.
- Agasalha-te Eduardo!
O carro estava parado, e tinha acabado de sair com a predisposição de um dia animado na neve, junto de correrias, brincadeiras e muito gelo. O dia estava meio encoberto, mas não se podia dizer que estava muito frio para a época do ano embora os casacos fossem bem aconselháveis para nos mantermos quentes.
À medida que os anos passavam sentia-me um pouco mais cansado, um pouco mais "velho", mas desde que nascera o Eduardo e a Leonor em 1998 e 2001, tinha de dedicar tempo a estes pequenitos, que eram agora fonte da minha vida, e a razão máxima para continuar a lutar.
É claro que vocês não sabem tudo da rapariga dos cabelos castanhos, e não vão saber, embora possa vir a contar histórias antes e depois desta, porque dentro da minha cabeça vão acontecendo projecções do que se passou. Desculpem-me alguma incoerência, e também claro que acrescento um toque mais brilhante do que são realmente as histórias. Porque a minha história com ela é mágica, e quero preservar isso.
Ela era boa mãe, disso não tinha dúvidas, como sempre esperara. 
Acreditem que quando eu a via no início dos nossos tempos, era para sair e essas coisas, mas acho que percebi cedo o seu jeito natural. E isso é olhar para ela todos os dias que acordo e dizer que continua bonita e que não olho ao cabelo despenteado, ou à barriga dela depois de ter tido os nossos filhos. Nunca liguei muito, porque sempre valorizei o seu olhar, o seu jeito, porque o físico conta claro, mas nada que se compare ao modo de ser. E no meio de uma sociedade destas, eu só posso valorizar.
Acho que já me perdi ao descreve-la, e claro que é difícil o encanto não passar. Ele passa, mas mantêm-se o carinho, a lealdade, etc. E nada mais importa. Eu chamo-lhe amor, embora alguns insistam em não lhe chamar assim.
Voltando atrás, era a primeira vez que ia levar o Eduardo e a Leonor à serra. Também pouco tinha nevado nos últimos anos e agora era tempo de aproveitar. O Eduardo estava maravilhado com aquilo e logo partiu para um jogo de "tiros". Alinhei e ainda nos molhámos bastante com as bolas de neve. O pequenito estava em êxtase.
- Pai, olha só o boneco de neve que estou a fazer.
A Leonor, era mais calma, mais parecida no feitio com a mãe, embora os traços físicos fossem mais próximos aos meus. Tinha construído um pequeno boneco de neve com a ajuda da mãe, embora eu achasse que aquilo ia cair nos próximos minutos.
- Que belo trabalho das meninas. Acho que a tua mãe escolheu a profissão errada.
E rimo-nos muito. A rapariga dos cabelos castanhos olhou para mim e sorriu, o sorriso que eu já sabia o que se passava. Encostá-mo-nos ao a conversar enquanto os pequenitos brincavam.
- Se eles soubessem...
- Se eles soubessem ficariam orgulhosos.
Sorri, sem medos.
- Amanhã vai ser um grande dia... espero.
- Não sejas tonta. É óbvio que vai. Tudo foi feito o mais rápido possível e vai correr bem. Eles vão ter orgulho quando souberem que a mãe é a pessoa mais corajosa do mundo.
- Talvez fosse melhor dizer que a mãe está doente...
- Não. Eles são pequeninos. A tua ida a casa da tua irmã a França, é melhor e não lhes faz confusão. Vão andar menos preocupados, embora sei que sintam falta da mãe.
- Mas...
- Sim?
- Eu tenho medo. E se eles nunca mais...
- Não! Tu vais conseguir. Sem haver qualquer tipo de complicações! Eu sei. A operação vai ser rápida e vão eliminar-te o nódulo. 
- Promete-me que se isto correr mal...
- Prometo-te sim! Prometo-te que cuidarei deles, que ficarei com eles sempre, que ensinarei a Leonor a ser a mulher que tu és, e que ela terá orgulho em ser como a mãe, uma lutadora. Prometo-te que o Eduardo saberá que és uma heroína e fará disso o seu exemplo de vida, que ele há-de ser um homem bom e honesto e com boas notas.
- Obrigado. Se o Eduardo for como tu já fico bastante satisfeita.
- Claro que vai ser. Um "bad boy" com um coração de manteiga.
E rimos por fim. 
- Pai, podemos ir lanchar a casa do padrinho à Guarda?
Pisquei o olho à rapariga dos cabelos castanhos e disse:
- Pelo menos o gosto por andar a passear é da mãe, sempre com a mala atrás.
- Só espero que não apanhe o jeito para ser palerma como o pai.
E sorriu.

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