terça-feira, janeiro 08, 2013

Black

As nuvens cinzentas que se punham sobre São Jacinto, faziam antever um final de tarde desesperante, talvez molhado, talvez seco, com temperaturas para casacos e roupas quentes, não fosse Janeiro, nesse fatídico ano de 2001.
A voz da rapariga dos cabelos castanhos estava agora mais longe, talvez no meio de outra cidade, de outro local que não a areia da praia ou as plantas rasteiras das dunas, paisagem protegida...
Ela tinha partido, faziam umas 3 horas e eu ainda estava imóvel, como uma rocha, disposto a não arredar pé daquele sítio, como se não quisesse aceitar a realidade, como se quisesse que o sonho não acabasse e manter viva a chama...
A rapariga dos cabelos castanhos não tinha sido dura... tinha sido apenas igual a si própria, sem saber bem o que falar, olhou-me nos olhos e disse, aquilo que ninguém quer ouvir:
- Eu não posso continuar isto...
O meu ar de estupefacção foi total, como se de um livro aberto me tratasse passando por mim as mais variadas sensações. Depois de semanas sem quase falarmos ela decidiu abrir o jogo e logo desta maneira...
- Tu não podes?
- Não, não posso. Eu queria que tu te preocupasses mais, que me dissesses mais aquelas palavras que antes davam um clique ou que apenas estivesses lá. Mas não. Desde que viemos de Itália que pareces assim, mais distante, como se não te quisesses envolver demasiado com medo do que os outros possam dizer!
- Medo? Eu não tenho medo!
- Tens. Medo de te magoares.
Era um pouco verdade. Mas eu precisava também de sentir algo mais, da preocupação dela, do jeito dela que pareciam ter desaparecido...
- E tu?
- Eu?!
- Sim. Quantas vezes desde que viemos de Itália que me perguntas-te como estava? Quantas vezes ligaste a perguntar alguma coisa? Sou só eu? Porquê? Porque sou homem é que me tenho de preocupar e tu nada?
- Estás a ser injusto... tão injusto!
- Injusto ou não eu também sinto isso... e não podia ter sido mais expressivo.
- Tudo bem. Faz como quiseres...
E talvez eu devesse ter corrido atrás dela, mas as forças obrigaram-me a contemplar a ria, e aumentar o seu caudal. Custa admitir que não se está bem ou que se esperou outra atitude e isso magoa, vezes e vezes sem conta. E às vezes sofrer muito não é desculpa.
Talvez tivesse sido duro, talvez eu próprio deveria ter ligado, mas o orgulho não me deixou, porque sentia que ela tinha-se desligado primeiro, apesar de agora estar a remoer e a ponderar falar de novo com ela, sempre a pensar o que dizer, como dizer e na maneira de encerrar o assunto. Talvez ela tivesse mesmo acabado tudo ali e eu não tivesse percebido... talvez houvesse outro... ou talvez eu não fosse suficientemente bom para ela. Bolas!
As luzes do Astra 1.4 acenderam-se e eu parti rumo a A25. A viagem fez-se mais rápida, embora tivesse parecido uma eternidade. Quando dei por mim estava a passar junto à placa de Tondela no Ip3 rumo ao destino. Já era noite e caía uma chuva miudinha normal para a época. Os termómetros indicavam os 3 graus e no Caramulo já havia uma mancha de neve, embora pequena...
Depois de acender a lareira, sentei-me a escrever o livro que tinha prometido apresentar um dia mais tarde a uma editora, segundo conselho da prima mais velha. Não estava fácil pensar em romances históricos quando a minha vida tinha pregado uma chapada...
Trim-trim.
O telefone.
Talvez fosse a minha mãe a perguntar o que tinha feito para o jantar ou se estava muito frio aqui, ou então o meu irmão a pedir-me alguma ajuda para um cartaz... e eu sem paciência...
Retirei o auscultador e atendi.
- Olá.
A voz era inconfundível, até porque tinha ecoado toda a tarde na minha cabeça... Era ela! Será?
- Olá... olha! eu quero...
- Xiuuu!
Cortou-me a voz. Que queria ela afinal?
- Então?
Silêncio. E em surdina:
- E se começássemos tudo de novo?
E riu-se como uma criança a quem tinham devolvido a sua boneca preferida.

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