Todos os dias passamos por pessoas com quem provavelmente nunca vamos falar. Todos os dias desperdiçamos tempo a pensar naquilo que devíamos ou não fazer e temos medo. O medo é natural.
Temos todos medo da mesma coisa: da estreita relação, da linha ténue que separa a vida e a morte, o diabólico jogo que estamos envolvidos. E desperdiçamos tanto tempo... Eu próprio posso dizer que sim, desperdiço-o, preocupado com tantas coisas, ou jogando também psicologicamente sobre os comportamentos dos outros... Somos todos assim, está-nos na massa sanguínea e na função cerebral.
A primeira vez que mais afincadamente quis vir para a saúde foi há dois anos. E tive dois casos nestes últimos dois anos: os meus dois avôs faleceram, embora já com uma idade grande, a motivação para saber o que está por trás de todos aqueles problemas que tu não consegues entender foi maior.
Talvez a enfermagem fosse o caminho mais próximo do doente, mas se me perguntarem o porquê da radiologia eu digo: não era a primeira opção. A primeira opção era mesmo na faculdade de Farmácia da UC e o objectivo era a investigação. No entanto, acabei por "cair" na radiologia. E porquê? Somos nós que estamos lá maioritariamente quando detectamos um cancro. Somos nós que vamos estar lá, maior parte das vezes sem tocar no paciente e resultar de um diagnóstico. Somos os primeiros a saber provavelmente.
Mas talvez os acontecimentos que sucederam depois da minha entrada no Superior tenham sido provavelmente aqueles que mais ligados estão com a minha profissão.
Veres um amigo teu crescer sabendo que o pai tem uma doença sem cura, com capacidade degenerativa e sem puder fazer muito por isso. Uma pessoa que conheces desde sempre, não só o teu amigo como o pai dele. E depois como que uma coisa repentina, que no fundo toda a gente está à espera, acontece. Aconteceu a morte, sim, mas não nos podemos esquecer como as pessoas lutaram contra isso, com todas as armas, e como a própria mulher algum tempo depois acaba por ter um cancro abdominal que foi rapidamente diagnosticado e tratado. Lutadores como estes ensinam-nos todos os dias.
E pronto, chegamos à data fatídica de hoje.
Podes não ter conhecido exactamente os primeiros anos daquela pessoa, mas o últimos foram certamente os melhores. Já sabíamos que as coisas não estavam fáceis... o diagnóstico tinha sido terrível, mas houve uma recuperação. Depois a quebra novamente.
É quase em estado de choque que recebes estas notícias, porque não contas. Imagina-te sem uma mãe ou sem um pai com 19 ou 20 anos, ou até mais cedo. Aquela pessoa que sempre te viu crescer, que sempre esteve lá, mais do que qualquer outra no mundo. E agora? Vazio.
E esse vazio precisa de ser preenchido por memórias boas, recordações brilhantes e o carinho de alguém que partiu e que se não estiver noutro sítio, há-de estar pelo menos na memória.
É duro. É a vida. Mas aí temos de encontrar força no bem que essa pessoa no quis!
E são estas experiências que traçam o nosso caminho, que nos mantêm vivos e nos fazem pensar na maneira como fazemos as coisas e desperdiçamos o tempo.
Ao João Freitas e ao Gabriel Lopes.
Foste tu? :o
ResponderEliminarMas que bem :D