quinta-feira, setembro 04, 2014

Maré Alta


Um dia eu vou deixar de contar os passos, de apagar a luz, de acabar o trabalho que deixei sobre a secretária acumulado por vários dias. Um dia eu vou deixar de ser adulto, ou vou deixar de ser criança, ou talvez não deixe de ser coisa nenhuma.
Já te falei de histórias, de rouquidão, de choros e de gritos. Já me contaste os sorrisos, lembraste os rostos acenaste-me as caras lavadas e as mãos esfoladas, os dias cinzentos e as noites que contavas estrelas que passavam lá longe no horizonte, intermitentes e repetentes de coisas, de gostos.
Às vezes a noite vem depressa de mais, às vezes o coração bate depressa de mais, às vezes acontece tudo depressa de mais. Mas por acontecer não significa que está errado. Significa que era isto que buscávamos incessantemente, ao luar com dois copos de vinho verde na mão, o teu cigarro na ponta da boca e um cheiro a creme hidratante nos rostos avermelhados do longo dia de praia.
O cansaço dos dias apagava-se por ali, de quem anda a correr incessantemente atrás de pessoas que não sabem a cor das estrelas nem o sopro do mar. Pessoas escuras e ocas, sem o mínimo cuidado de conhecer o castanho profundo do teu cabelo, ou a tua cor morena da pele. Pessoas que não sabem mais do que contar notas de 20, ou de seja lá o que for. Pessoas que não conhecem o cheiro do mar, ou o cheiro daquele teu champô de tampa preta que passas cuidadosamente no cabelo.
Às vezes preferia desfrutar do asfalto, ou de uma calçada, enquanto passeávamos na praça. Mas o que desfrutava mais era de olhar para o teu rosto. Fixava-o tanto que nem as palavras chegavam para dizer o quanto o queria por perto. E por vezes nem palavras tinha para ti, por vezes nem sinais tinha para ti.
Os meus medos contigo sempre foram o passado. O meu e o teu passado. O passado em que fomos felizes, mas principalmente o que fomos tratados como indiferentes, por rostos fechados, distantes e escondidos, instantes e desaparecidos. O meu medo é ser pequeno de mais. O meu medo é querer demasiado, o meu medo é deixar-te ir. O meu medo é ser eu. Porque eu sou os meus medos.

E todos os dias, a maré subia e descia naquela praia, como que afagando as suas gotas de água em rochas escarpadas e em areias subtis. E o cheiro a maresia era inconfundível.
Adormeceste sobre a areia, e o teu biquini as riscas confundia-se com os guarda-sóis que repousavam sobre a praia. De novo fiz questão de te afagar a cara, de olhar as tuas linhas, o teu rosto.
E saberia sempre que ao fim do dia, por mais horas que o sol tivesse dado luz aquele mar, por mais vento que tivesse soprado no teu rosto, por mais areia que tivesse entrado nos teus sapatos, eu saberia sempre que haveria uma lua e umas estrelas para nós, um banco e um sorriso para os dois, dois pratos e um jantar partilhado, uma cama quentinha e o teu rosto, o teu bonito rosto para um novo dia, uma nova manhã, um novo acordar, uma nova realidade que seria enfim nossa.
E aí estava eu. Eu sem os meus medos. E ai estavas tu. Tu sem os teus medos.
E aprendemos a escrever uma nova palavra com 4 letras, com as mesmas do teu nome, e tão simples como tu, como nós. Aprendemos a dizê-la e a usá-la. Aprendemos a ser felizes.
Porque mesmo encobertos por esses medos, o luar está sempre lá, sempre disponível para nos olhar outra vez e nos dar a luz que precisamos.

quarta-feira, julho 23, 2014

Rusga


Ataram-me as mãos,
Enlaçaram-me os pés,
Chamaram-me nomes e
Atiraram-me ao chão.

Não compreendia,
Não chorava, nem conseguia,
O corpo dormente,
A mente vazia,
Da torrente, da tortura,
Do fim de uma aventura.

Gaza, Kosovo, Ucrânia,
O sítio tem pouca importância,
Os cheiros, os ritmos,
Os roubos, a ganância,
De quem de tudo nada tem,
De quem teme alguém.

A mão que treme,
A guerra que se teme,
O barulho ensurdecedor
Do silêncio, da morte,
De mais um barulho de motor,
Mais um cheiro a queimado,
Mais um dia baralhado,
Na imensidão do terror
Jaz para sempre enterrado,
Nos braços do horror,
De um golpe nunca sarado,
Na Faixa do Temor.


segunda-feira, junho 23, 2014

Abraço


Rasgava uma luz ténue por entre os cortinados da janela na minha sala de estar, começando a percorrer o corredor devagarinho, como que tentando não acordar ninguém, vindo plantar-se por entre a porta do meu quarto e embatendo-me na roupa.
A mala estava prestes a ser fechada, depois de acomodar algumas roupas e aquilo que a meu ver seria essencial para alguns dias longe daqui. A última camisa dobrada, o ultimo fecho e pronto, tudo preparado.
Junto a mala ao banho fresco que tomei para acordar. São seis e meia da "matina" e o comboio da Beira Alta chegará em breve à estação.
Passo num caminhar lento, para não fazer barulho, pois no andar de cima repousam os meus pais, no seu quarto. Paro apenas no hall de entrada, deixando um bilhete como que a justificar uma saída com uns amigos para férias, a fim de não os deixar preocupados. A minha mãe de certo me telefonaria entretanto.
A pé e de mala às costas, como tantas vezes por esses caminhos fora o fizera em fins-de-semana longos, com mais um par de amigos e lenço ao pescoço, mas desta vez com um destino mais alargado.
O ar quente passou rapidamente com o chegar do comboio. As carruagens, ligeiramente mais frescas dispunham-se numa longa fileira de luzinhas e janelas, onde pude tirar o bilhete.
A viagem fez-me trocar de comboio na Pampilhosa e desembarcar posteriormente na Campanhã, no Grande Porto. Confesso que nunca tinha frequentado a linha roxa do Metro Porto, mas a viagem iria-me levar até ao destino final da mesma.
E foi assim, pela primeira vez que pisei o Francisco Sá Carneiro, um aeroporto em franca expansão e mais organizado e bonito que a conjuntura da Portela...

(...)

Memmingen-Munique, pela Ryanair ficava a algumas horas de distância, mas o placard marcava já a abertura do check-in. Teria de me despachar, pois chegar com pouco tempo para fazer tudo o que era necessário até ao embarque, mesmo bem à maneira "tuga".
O voo descolou passavam pouco mais de 15 minutos das 3 das tarde. Até lá, já tentara acalmar o estomago e passeado pela zona internacional do Aeroporto de Pedra Rubras. Farto de esperar...

(...)

Ao fim de tarde, Memmingen avizinhava-se simpática, a cidade da região da Suábia na Baviera, com pouco mais de 40 mil habitantes numa zona que servia de apoio à Grande Munique. Confesso que olhei de lado ao aterrar, pois as quatro bolas na baliza portuguesa pelos alemães ainda estavam bem na memória recente, vistas ainda por mim na mente há um par de semanas atrás.
Depois da saída do aeroporto, precisava de me localizar. Füssen, era o destino por aquele e os 80 e tal quilómetros era o que nos separava. Parecia pouco, mas seriam 3 horas de comboio devido a obras da principal via de acesso (que poderia fazer de autocarro) e por isso a viagem tornar-se-ia cansativa, com um acumular das imensas horas que passavam desde a saída de casa em Mortágua...
Adormeci, acordando com o Samsung a despertar, por volta das 21:30, com Füssen já à vista. A estação central, bem no epicentro de Füssen agradou-me, esta que mostrava a pouca distância que se separava da fronteira austríaca bem ali no final da curva do rio. O Hirsch, ficava umas ruas à frente e percorri a pé a distância que separava o edifício tradicional alemão.
Entrei. O seu interior combinava muito com o exterior, bem cuidado e com um travo a Baviera. Depois do check-in na recepção do hotel, subi ao quarto 52. Estava exausto apesar de na maior parte do dia ter estado sentado, deitando-me na cama só para "me esticar".
Acordei uma hora depois com o toque do telemóvel. Um  número alemão...
- Estou?
- Sim? É a Rose.
- Oh, olá Rose. Então como vai tudo?
- Por aqui tudo bem. E tu?
- Cheguei à pouco. Um bocado cansado... E os miúdos? E o Philipe?
- Estão bem. O Philipe, está ali a ressonar no sofá. O trabalho na estufa tem sido mais intensificado nestes dias, ainda mais com a expansão que decidimos fazer.
- Oh compreendo, claro. Vocês trabalham bem.
- Sim. Telefonei-te por causa...
- Dela, não foi?
- Sim. Amanhã é o dia de folga dela e de maior parte do pessoal da empresa. O Philipe e eu temos de ir lá de manhã, mas estávamos a pensar deixá-la em Neuschwanstein, porque ela ainda não viu o castelo.
- E vai sozinha?
- Sim, eu digo-lhe que voltamos rápido e ela fica por lá a visitar, pois como deves calcular aquilo já nos é bastante familiar.
- Tens toda a razão claro. Nem pensei nisso.
- Não te preocupes. Tudo bem. Então está por lá às 10 amanhã, sim?
- Claro que estarei... afinal porque raio teria vindo hoje de Portugal?
- Eu sei. Mas promete-me uma coisa...
- Então?
- Fá-la Feliz.

Neuschwanstein avizinhava-se imponente. Eram nove e trinta da manhã, e sabendo que os alemães seriam sempre mais pontuais que nós, decidi-me por ir mais cedo. Um frio na barriga, como me assolava sempre nestes momentos, prendeu-me a respiração. A rapariga dos cabelos castanhos...
O castelo, que esteve a concurso das 7 maravilhas do mundo, era mesmo maravilhoso, talvez um dos monumentos mais bonitos que tinha visitado. Faltavam alguns minutos...
Decidi-me por entrar no castelo. Saberia que ela ia acabar por encontrar-me, havia qualquer coisa que me dizia. E sendo assim dirigi-me até à torre mais alta do castelo, com uma vista fantástica para o Lago Forggensee, esperando e apreciando a vista.
Pareceu-me tê-la visto entrar no castelo, mas a longa distância que nos separava foi impossível distinguir tal visão. Saberia que ela própria não ia deixar de ver aquela vista de sentir aquele lugar. Era ela, e eu sabia o que ela era. Sabia como precisava de uma mão e de um beijo. E de alguém que fizesse valer a pena.
Ao olhar a porta, e estando a torre deserta, ouvi passos a aproximar-se. E a silhueta que me fazia reluzir os olhos, abrir um sorriso e tremer um pouco as mãos encostou-se à porta como que embasbacada, sem reacção.
Poderia imaginar a quantidade de perguntas que ia fazendo mentalmente, mas olhei-a com uma profundidade no olhar e aproximei-me. Em simultâneo, ela fez o mesmo.
E sem dizer uma palavra, cheguei-me ao pé dela e disse:
- O mundo todo e eu só preciso de ti.
E quase que com um bailar de lágrimas nos olhos, dois meses depois da partida de Portugal para trabalhar nas estufas da Alemanha, a rapariga dos cabelos castanhos abraçou-me, sussurrando-me ao ouvido:
- Nunca mais me largues.

O melhor abraço do mundo.

sábado, junho 14, 2014

Conselho Municipal da Juventude



A reactivação do Conselho Municipal da Juventude é um dos grandes objectivos delineados pelo actual executivo da Câmara Municipal de Mortágua, que trouxe novas propostas aos jovens por parte do partido do executivo e respectiva juventude partidária, entre os quais o Cartão Jovem Municipal e a implementação do Orçamento Participativo Jovem.
Não esperaria menos da pessoa que lidera actualmente a JSD, pois devo reconhecer a sua dinâmica e constante força que dá ao partido e à Juventude Social Democrata em Mortágua, apesar de algumas divergências ideológicas evidentes.
Como dirigente associativo e estando envolvido em colectividades juvenis do concelho decidi explorar aquilo que considero um órgão de relevo para os jovens.
Reflectindo sobre o tema, e consultando o Decreto de Lei nº 8/2009 de 18 de Fevereiro com as alterações previstas pelo Decreto de Lei nº6/2012 de 10 de Fevereiro, constata-se desde já os membros que compõe o CMJ, sendo eles:

·         Presidente da Câmara Municipal (preside);
·         Membro da Assembleia Municipal de cada partido ou grupo de cidadãos eleitores representados na Assembleia Municipal (ou seja, PSD, PS e CDS-PP);
·         Representante do Munícipo no Conselho Regional da Juventude;
·         Representante de cada Associação Juvenil com sede no Munícipio inscrita no Registo Nacional de Associações Jovens (RNAJ);
·         Representante de cada Associação de Estudantes do Ensino Basico e Secundário com sede no munícipio (no caso, uma);
·         Representante de cada Associação de Estudantes do Ensino Superior com sede no munícipio (ou seja, nenhuma);
·         Representante de cada Federação de Estudantes inscrita no RNAJ cujo âmbito geográfico de actuação se circunscreva à área do concelho ou nas quais as associação de estudantes com sede no município representem mais de 50% dos associados (no nosso caso, nenhuma);
·         Representante de cada organização de Juventude Partidária com representação nos órgãos do munícipio ou na Assembleia da República (JSD, JS e JP, se não estou em erro);
·         Representante de cada associação jovem e equiparadas a associações juvenis, nos termos do n.º 3 do artigo, 3.º da Lei n.º 23/2006, de 23 de Junho, de âmbito nacional.

Ao analisar tudo isto e, consultando a restante parte dos decretos de lei, estaria convencido de um modelo participativo, semelhante à Assembleia Municipal, para chamar os jovens ao centro das decisões, embora pudessem não ter o direito de voto, mas sim um direito consultivo ou de observação.
Verifica-se, no entanto, que apenas o CMJ poderá nomear o estatuto de observador a algumas entidades ou associações que possam ser relevantes. Além disto poderão ser convidadas pessoas de mérito e com relevência suficiente para as deliberações do CMJ, mas sem direito a voto.
Percebe-se a forma ordeira que está composto este CMJ, mas será necessária alguma flexibilidade para que se torne realmente relevante pois, esta mesma composição, poderá não ser favorável ao actual executivo camarário, embora se salvaguarde a natureza apenas consultiva do órgão e, para que tal se torne suficentemente considerável e significativo, terão de se superar divergências políticas.
Sugeria também que o próprio órgão considere, quando entrar em funcionamento, uma abertura a propostas de cidadãos que não estão representados no CMJ e procure ouvir a comunidade juvenil que não se encontra associada a qualquer partido ou organização, tendo para isso um período anterior às reuniões ou plenários de apresentação de propostas a serem discutidas no CMJ, que após sucinta análise sejam lançadas para debate no próprio órgão.
Será ainda interessante saber que instituições e associações serão tidas em conta no órgão e que terão assento neste Conselho, bem como os comportamentos das Juventudes Partidárias no que diz respeito às políticas de Juventude.
E falo em concreto para os dois principais partidos da oposição camarária e consequentemente das suas Juventudes. Preocupa-me a pouca dinâmica das juventudes actualmente, e conhecendo os seus lideres peço que encarem este Conselho como fulcral para as aspirações dos jovens.
Isto faço-o em especial para a Juventude Popular, que não partilhando de qualquer idealogia política, espero que traga mesmo ideias concretas na pessoa do seu líder, João Abrantes. E também deixo o recado à Juventude Socialista, que me parece não dar sinal de vida, sem qualquer dinamismo, o que me entristece pela necessidade que é tê-la participativa nos debates municipais e que deveria ser o principal motor de um partido que necessita de rejuvenescer em Mortágua.
É preciso ideias à Esquerda, ao Centro e à Direita para a fixação dos jovens e para um desenvolvimento sustentávelmente, sendo que farei o possível para estar a par de tudo o que resultar daqui e sem medo de dar a minha opinião pessoal nestas questões esperando responsabilidade por parte de todos os representantes na constituição do CMJ.
Espero assim ansiosamente pela criação do mesmo e faço votos de bom trabalho aos futuros representantes.
Porque Mortágua merece,

Daniel Matos*
(*o autor opta por escrever na antiga terminologia)


quarta-feira, abril 30, 2014

As nossas mãos



(...)
Anoitecia mais uma vez. Sobre o rio, a vaga luz que descia do céu reflectia como um vulcão incandescente e intenso amarelo torrado de final de tarde, espreitando por entre as nuvens cinzentas que previam uma chuva miúda na próxima madrugada. Mas não ia chover agora.
Na grade junto ao rio, as mãos deslizavam suaves por entre o corrimão que fazia a fronteira entre uma queda na horizontal de uns bons metros no rio. Nesse dia, vestias um vestido claro, com uma camisola de seda, verde e usavas aqueles sapatos que comprámos uma vez nas nossas voltas de domingo à tarde.
- Tenho medo...
Se já muito tinha escrito sobre os medos da rapariga dos cabelos castanhos, hoje sentia mais um, mais uma vez a mão dela insegura a tremelicar, com os lábios expectantes e os olhos cravados entre o rio e o por do sol, na parte mais profunda do horizonte.
Olhei-a de novo, com o carinho de sempre, com a ternura que, por mais que tentasse transmitir, me parecia pouca e disse-lhe:
- Chiuuu! Eu estou aqui.
E por mais tempo que passasse, eu sabia. Sabia que não havia alguém que me pudesse transformar o chão como as pegadas daquela rapariga, nem que os seus olhos castanho escuros se dissolvem-se numa lenta manhã de nevoeiro, pois as suas lágrimas apenas se podiam comparar ao orvalho da manhã.
Mas eu não queria essas lágrimas. Preferia os dias de sol de Agosto, radiantes e convictos como a beleza do seu sorriso, e nada mais poderia interessar do que ser feliz. Nem sequer as trovoadas de Abril ou o frio gélido de Janeiro. Se eu não estivesse convencido disso, então não seria eu, nem as palavras que te digo em frente ao rio fariam qualquer sentido.
- Espera...
Afastaste-te de mim, à procura de uma pedra que se encontrava junto do carvalho grande do parque. Não percebi logo se deveria ir atrás de ti, mas depois dei conta que apenas precisavas daquele momento. O rio engoliu, passados alguns segundos, a pedra que atiravas com tamanha força que rapidamente chegou ao fundo.
Nada da vida é definitivo, mas o sempre também é uma palavra do dicionário, já dizia o meu avô. E a vida não fazia sentido se não pudesse fazer alguém feliz. E esse alguém eras tu.
Olhei de novo para ti e vi uma lágrima a jorrar pelo canto do olho, descendo pela bochecha até chegar ao extremo do queixo, caindo com estrondo no chão. Ver-te chorar era uma das coisas piores que poderia assistir e não queria deixar que isso acontecesse.
- Não...
Corri a abraçar-te. Tinha prometido a mim mesmo que isto não voltaria a acontecer, que as tuas incertezas e os teus medos se segurassem nas minhas mãos, assim como eu pego na tua que deixa quase instantaneamente de tremer. Limpei-te as lágrimas com a minha camisola e abracei-te de novo.
Queria dizer que gostava de ti, queria dizer que tinha saudades, queria dar-te o mundo, queria que fossemos um só. Mas apenas o abraço e o beijo podiam transmitir tudo o que eu queria ser ao teu lado, sem medos.
Nada podia cobrar o preço de um abraço ou de um beijo. Ao meu jeito, depositei neles a ternura que sempre tentava transmitir, na essência do que queria dar-te...

E nunca mais as tuas mãos tremeram assim.

domingo, março 16, 2014

O Vendedor de Sonhos



Nasci a uma Quinta-Feira.

Podia começar assim todas as minhas histórias, no dia 26 de Agosto de 93, pois desde aí começaram os choros, os risos, as brincadeiras, os afectos, as palavras, os caminhos, as mochilas, as bolas de futebol, os livros, os carros. Em resumo, os sonhos.
Mas a história que vos conto não é minha. Não é minha, nem me quero apropriar dela, mas como mais ninguém parece indicado, vou contá-la.

"Chamei-a. A voz que nem parecia minha, rouca e pouco clara entoava a um ritmo lento como que um doente no seu leito, a recuperar de uma grave pneumonia. Tomei um pouco do copo de água que estava sobre a mesa e voltei, numa voz bastante mais própria, a dizer.
- Ouve-me.
Os passos largos lá fora dos estudantes, que não medem os dias que passam mas que contam os minutos para que a aula passe e que as noites da própria quinta-feira cheguem, confundiam-se com o choro indescritível que vinha do quarto.
O silêncio era interrompido em enxurradas de pequenos gritos, suspiros e uma linguagem de quem não queria cair na realidade dos acontecimentos.
- Já me disseste isso.

Retirei os lençóis ainda meio ensonado como um pássaro leve que desperta do sonho. Nada como um bom estalo na cara para me acordar naquela manhã quente de fim de Maio. Levantei-me, procurei o telemóvel e vi a mensagem que me gritava da noite anterior como que uma chama intensa.
Abri ligeiramente a janela com o estalido típico da casa velha, com portadas de madeira e vidros quebradiços. Cheirava claramente a Verão na calçada da rua lá em baixo, e o emaranhado de gente que não respeitava os paralelepípedos que assentavam no chão, calcando aquilo que pareciam ser restos de uma obra da câmara municipal.
Lá em baixo, junto ao chorão plantado, estava um senhor que não morava na minha rua. Quando digo isto, é porque nunca tinha reparado nele, apesar de a sua presença me ser familiar...

Voltei ao meu mundo, e o choro que entoava pela casa tinha abrandado. Não ter as palavras certas para os momentos certos custa, e a dificuldade que tinha naquele momento em confortá-la era enorme. Resumia-me a silêncios a espaços e a abraços longos.
Mas algo mais forte do que eu pegou na mão dela e disse:
- Vamos procurar sonhos.
Ela não entendeu, e no meio de todo o emaranhado de cabelos e soluços disse-me:
- Não sejas tonto.
De novo puxei-a com firmeza, como que numa intuição maciça de quem pressente a solução para o final do enigma e levei-a pelas escadas até à rua. O rio estava sereno, calmo e sem grandes brisas que nos pudessem arrepiar. Apenas os passos das gentes que por ali andavam e as suas conversas serviam como pano de fundo.
E então dirigi-me ao senhor que avistara pela janela e reparei entretanto que estava junto a um desses carros de mão com balões para vender. Por momentos julguei-me louco, mas estava convicto.
- Vejo que me procura - disse o velho.
Será que me teria visto pela janela?
- Escusa de fazer essa cara. Eu sei quem me procura.
Se aquilo já não estava a ser suficientemente estranho para sair dali, então é porque tinha mesmo acertado na previsão. Resolvi então perguntar:
- O que faz o senhor?
- Acho que você já sabe.
- Balões?
O velho olhou-me com um ar de repreensão.
- Acha mesmo?
- Parece-me óbvio.
O olhar enigmático fixava-se em mim e então olhei para ela. Estava ligeiramente menos pálida e parecia estar a apreciar a cena.
- Vendo sonhos.
O nosso olhar foi indescritível, e poderá o leitor estar a imaginar a minha cabeça a processar aquela informação. De novo achei que estava maluco por estar ainda a ouvir aquele velho de aspecto estranho e ela parecia também incrédula.
- Dê-me um balão.
O velho abanou a cabeça.
- Podes comprar 50 balões, mas os sonhos não tem preço. Conquistam-se.
- O que quer dizer com...
- Estás a ver aquela ponte?
A ponte sobre o rio ligava as margens da cidade no final do parque.
- Sim.
- Então repara naquele grande placard que a Câmara lá pôs. Diz o custo da obra e aquilo que foi usado para construir a ponte... Afinal aquilo é só um pedaço de betão com outros materiais que deram uma ponte.
- Onde quer chegar com isso?
De facto. O que estava para ali o velho a dizer?
- Achas mesmo que é isto que interessa?
O velho entregou-me um balão e perante o meu olhar inquiridor disse:
- Quem é que construiu a ponte?
- O Arquitecto João de Sou...
O velho interrompeu:
- Errado!
- Mas é o que diz no...
- Quem é que assentou os paralelos nesta calçada? Quem é que construiu os alicerces por esta cidade toda? Eu digo-te meu rapaz. Foram pessoas sem nome, mas a historia é ingrata e refere apenas os que estão no topo da pirâmide. Mas o esforço é de um sonho comum, e o esforço foi deles. É por isso que tens de entender...
- Entender?
- Que não podes deixar que ninguém tenha mais esforço do que tu para alcançar o teu próprio sonho. Não podes deixar que isso aconteça. Nem podes deixar que essas pessoas que te ajudaram a construir esse sonho, como estes teimam em fazê-lo.
E voltei de novo a olhar a ponte com ela.
- Vamos até ao rio, se o senhor não se importar.
Mas quando olhei, o velho tinha desaparecido. Nem sinal dele havia na rua...

Caminhámos até à ponte pedonal que ligava os dois lados do parque. Começava a perceber o significado das palavras do velho. Tanto para mim como para ela.
- Acho que começo a entender...
- Talvez ele queira que...
E o choro voltou de novo, mas na certeza que as memórias iriam ser lembradas e os sonhos a prioridade das nossas vidas. Tentei sorrir-lhe, mas apenas o abraço cobriu tudo aquilo que parecia agora dissipar-se, e o ar voltou a ficar mais leve. Apenas como peso da memória de quem partiu.
E no horizonte, uns tantos balões, como que estrelas ao por do sol, para nos lembrar que mesmo quem partiu, também veio colorir a nossa vida."


Os meus sonhos são feitos de novelos de lã enrolados num fino jogo de sentidos onde brotam os meus desejos Os meus sonhos têm um travo a canela e um cheiro a hortelã misturados num pedaço de ambição. Os meus sonhos tem sorrisos, mas também tem dores no sítio onde ninguém sabe que dói. Os meus sonhos são castelos, que no seu esplendor parecem perdidos e abandonados, mas com imensa vida que lá cresce.
Os meus sonhos são escadas altas que não acabam. São luzes fortes no meio de uma treva imensa. Os meus sonhos são somente isto:  Esperança

sábado, março 08, 2014

A Formula de Deus: entre a Ciência e a Fé


“Yehi or!”. Faça-se luz.

Não há ninguém que nunca tenha perguntado o porquê. A dúvida, o propósito, as incertezas, as somas da criação. Qual o motivo que nos faz estar neste universo imenso? Entre crenças, Fé, Religião e teorias, avançamos agora para uma ideia que se começa a difundir. Antes, a igreja poderia distanciar-se da ciência, hoje parece aproximar-se. A religião confunde-se, hoje, com a espiral do universo na ânsia de explicar completamente as suas fases. Só lhe dão nomes diferentes: há quem chame Big Bang, Big Crunch, Big Freeze, Universos Rotativos. E há ainda quem prefira optar pela Dança de Shiva, o Dharma ou os Dias da Criação. Parece-lhe ridículo confundir religião com ciência? Não me parece, caro leitor…
É necessário que tudo o que se entenda por religião tenha de ser lido como uma metáfora e não por aquilo que realmente está escrito (ou o leitor acredita que lá no alto está um senhor de barbas brancas a olhar por e para nós?). O que me faz acreditar em Deus é exatamente um véu que não se consegue levantar pela linguagem matemática. Esse Deus é a união das forças universais, as somas exatas, o propósito de estarmos aqui. É o Deus que programou o Big Bang de tal maneira única que foi possível gerar vida, apesar das baixas probabilidades pelas infinitas combinações de números. E deram mesmo certo!
É impensável acreditar que a Bíblia nos diga exatamente como o mundo foi criado, até porque todos nós aceitamos que a nossa existência se deve aos primatas e a uma evolução constante da vida na Terra. Pois, ao que parece os “Dias da Criação” dizem mais do que à primeira vista nos fazem crer.
O que se tem de entender aqui, para já, é que a noção temporal não foi sempre como hoje a conhecemos, tendo existido uma aceleração num fator proporcional à expansão do universo, fato que é confirmado pela medição das ondas de luz primordiais. Ora, analisando essa proporção e os acontecimentos da Bíblia, estranhamente, as coisas batem certo!
O universo é estimado entre 10 mil milhões de anos e 20 mil milhões de anos de existência. As notícias e os dados mais recentemente fornecidos pela NASA apontam estimativas entre 14 mil milhões e 16 mil milhões… Sendo assim, e analisando os tais “Dias da Criação”, poderíamos dizer que o primeiro dia teria um valor de 8 mil milhões de anos, sendo o segundo de 4 mil milhões de anos, o terceiro com 2 mil milhões de anos, o quarto com mil milhões de anos, o quinto com 500 milhões de anos e o sexto com 250 milhões de anos. Quanto dá tudo junto? 15 mil milhões de anos! Justamente o intervalo dos valores da NASA! Coincidência curiosa? Talvez. Mas há mais…
O primeiro dia da Bíblia é descrito como a criação da luz, do céu e da terra. Ora como sabemos foi nesse tempo (entre os 15,7 e os 7,7 mil milhões de anos) que ocorreu o Big Bang e a matéria foi formada. Isto é básico. Acontece que o segundo dia bíblico (entre 7,7 a 3,7 mil milhões de anos) fala-nos na criação do firmamento. Justamente nesta altura formou-se a nossa galáxia e o Sol, basicamente tudo o que é visível da Terra.
Continuando… O terceiro dia bíblico (3,7 a 1,7 mil milhões de anos) fala da formação da terra, do mar e das plantas. Os dados científicos comprovam o arrefecimento, a aparição de água líquida e surgiram imediatamente plantas e bactérias marinhas, inclusivamente algas. E chegamos nós, na nossa pequena viagem, ao quarto dia (1,7 mil milhões a 750 milhões de anos). Estranho como a Bíblia refere que apareceram luzes no firmamento, ou seja, o Sol, a Lua e as estrelas. Mas afinal, esta podemos refutar! Não tínhamos concluído que tinham sido formadas no segundo dia? E é aqui que temos de nos focar como a Bíblia e a Ciência são minuciosas. De fato, a sua formação foi no segundo dia, mas só ao quarto foi possível ver isto. Isto porquê? Só então é que a atmosfera se tornou transparente, deixando ver o céu e dando início à fotossíntese e ao lançamento de O2 para a atmosfera.
 Avancemos, pois, para o quinto dia bíblico (750 a 250 milhões de anos) no qual nos são anunciados os povoamentos por animais, tanto nos céus e na terra como no mar. Os dados biológicos e geológicos confirmam estas datas através do aparecimento dos primeiros animais multicelulares, vida marinha mais complexa e primeiros animais voadores.
E a viagem termina assim, no sexto dia bíblico, quando “Deus” especifica os animais em répteis, animais domésticos e animais ferozes. E mais à frente ainda acrescenta: “façamos o homem”. De novo colocamos em causa: então, mas os animais já não foram criados? É verdade. Mas não estes animais. Ou seja, há cerca de 250 milhões de anos aconteceu a grande extinção, a maior de sempre (sem que haja ainda motivo totalmente determinado) e quando há a referência a répteis, sugere-se aqui os dinossauros e por último o topo da evolução: o homem.
Poderá tudo ser uma imensa coincidência, é certo (até porque eu não vejo a Bíblia como uma verdade absoluta, mas sim um conjunto de valores a preservar). Mas tudo isto leva-nos para um plano de pensamento e de questões mais profundas sobre as quais me poderia alongar por muito mais do que este texto. Sendo assim, surgem-me algumas questões que vos deixo para pensar: E se tudo tiver um propósito? E se Deus existe, como forma de consciência superior ao qual nós apenas somos parte do seu “corpo” que se chama Universo? Seremos nós os seus neurónios? O que sabemos nós sobre a vida? Acabará tudo num Big Crunch, na dança de Shiva? Ou tornar-se-á tudo tão frio que teremos um Universo congelado e inerte?
E as mais profundas das questões: será a robótica a nova fase da evolução? E se tudo estiver programado para a morte deste universo e o início de outro?

* Texto baseado no livro “A Fórmula de Deus” de José Rodrigues dos Santos.

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Quantos dias tem Fevereiro?


Todos os dias cruzava-me contigo.
Ninguém no corredor sabia o que diziam as órbitas que sorriam na tua face e nem sequer poderiam supor aquilo que a intranquilidade dos teus gestos reflectia sobre ti. Talvez nem eu soubesse.
Poderia eu encontrar 10 vezes alguém em diferentes realidades na minha vida e mesmo assim não perceber a maneira como a chuva cai na calçada da minha rua. Nem sequer saberia encontrar a proximidade de uma voz ou a janela de uma casa. Nem sequer o cheiro vindo da cozinha da vizinha de baixo, quando faz aquele bolo de nozes gigantesco aos domingos para os netos.
Porque eu não sabia grande coisa sobre isto. Ou melhor, ainda não me tinha apercebido.
Os dias passavam como o vento descontrolado das tempestades de Inverno. E a chuva caía cada vez com mais força, parecendo querer perfurar as estradas de alcatrão. E o cheiro do orvalho pela manhã...
E então, mais uma vez, o olhar voltou. Voltou com uma nova expressão, mais leve, mas mais certa, sobre o castanho avelã. Um olhar novo, mais brilhante.
"Quantos dias tem Fevereiro?"
Perguntava-me isto num domingo à tarde, chuvoso e cinzento, sobre a lareira enquanto eu dedilhava umas notas na guitarra acústica que estava normalmente encostada na lateral da sala.
"28"
Respondi com um tom normal embora tentando perceber onde a conversa nos levava. A expressão dela alterou-se como quem é apanhado desprevenido por uma chuvada de Abril. E então abriu os lábios e perguntou de novo.
"Quantos dias tem este ano?"
Mas o que era aquilo? A pergunta tinha alguma rasteira, e certamente podia-me por em apuros caso não conseguisse entender exactamente a direcção da conversa.
"365, porquê?"
O olhar dela indignou-se e até o ar parecia ter ficado num clima de incerteza.
"Não entendo"
Vinha aí dúvida, incerteza ou qualquer espécie de pergunta fundamental, daquelas bem femininas que nos deixam sem resposta ou com uma tremenda dificuldade de lidar com a preocupação dela.
"O que é que tu não entendes?"
Perguntei a medo, embora me esforça-se para dar confiança à pergunta.
"O dia de hoje"
Olhei o calendário em cima da mesinha junto à televisão e verifiquei que era dia 14. O cliché habitual do dia de S. Valentim tinha invadido as publicidades, as televisões e a cabeça das pessoas.
Trocámos olhares e ela sorriu. A unicidade daquele gesto era uma imagem igual na cabeça dos dois, pois reflectia a ideia comum que o dia de hoje não era motivo de festejo, pois a importância de um amor como aquele não ficaria incomensuravelmente reduzido aquele dia. Porque, embora a palavra doa a muito boa gente, eu queria mesmo que fosse eterno. Olhei-a de novo.
"Supérfluo"
Ela fitou de novo as chamas e escutou o silêncio por entre as pingas que caiam a grande quantidade lá fora, como que um estalar de um ramo num pinhal. Voltou-se e fixou-se nos meus olhos.
"Ainda bem que te conheci"
O batimento tornou-se mais rápido e os meus braços abraçaram o tronco dela. Não importavam grandes coisas na vida, mas apenas aqueles momentos, o "ser feliz com pouco". Cheguei-me ao ouvido dela e sussurrei.
"Não sei quantos dias passaste a olhar o chão mas, certamente, são menos do que aqueles que vamos contar as estrelas do céu"
Felicidade.

domingo, fevereiro 09, 2014

Um "E" que parece ser de Estatística


Jovem, tens ambições de entrar no Ensino Superior mas ainda não concluíste o 12º Ano? Acabaste já o 11º ano e procuras uma maneira de entrar sem exames? É fácil: o Ministério da Educação e da Ciência dá-te a possibilidade de obter um curso de nível 5 com equivalência ao 12º ano e parecido com as licenciaturas. E, claro, poderás concluí-lo em apenas 2 anos com a possibilidade de te serem concedidas equivalências no Instituto Politécnico que frequentas, através de um Concurso Especial, criado especialmente para o efeito.
“...o Ministério da Educação e da Ciência dá-te a possibilidade de obter um curso de nível 5 com equivalência ao 12º ano e parecido com as licenciaturas”
José Mourinho voltou a Inglaterra no ano em que Crato decidiu também ser “Especial”. A sua profunda tentativa de atribuir Concursos Especiais de Acesso a tudo o que são possíveis futuros alunos do Ensino Superior não fica nada atrás das estratégias do “Special One”. Vai-se esquecendo é que as vagas especiais têm um teto máximo, ou seja, apenas uma baixa percentagem de alunos é que poderá aceder por meio destes concursos…
Depois da tinta que vai correndo sobre ondas gigantes, praxes mirabolantes e outra atrações que o senhor ministro e o governo nos vão proporcionando, eis que surge um assunto verdadeiramente importante para os Politécnicos do País. No entanto, a tutela prefere chamar os alunos e os institutos de educação para discutir praxe.
Apregoando que “luta por um Ensino cada vez melhor”, o governo dirige-se agora para a total descredibilização do Ensino Superior Politécnico que, para além dos cursos acima referidos, pretende que cursos profissionais possam ser dados em conjunto com os próprios politécnicos (entrevista à Antena 1 a 18/01/14), dando a entender que pretende, entre vários objetivos, preencher horários de professores com pouco tempo letivo, criar cursos para dar impulso a determinadas regiões e, também, pela falta de quadros de nível 5 no país.
“...as associações empresariais de vários pontos do país (…) não precisam destes cursos.”
É bonito tudo isto, não é? Não fosse um absoluto estado caótico de objetivos irreais. Os cursos possíveis que o Ministério pretende adotar não têm qualquer estudo de mercado; as associações empresariais de vários pontos do país (por exemplo, de todo o Norte de Portugal) afirmaram, após o Instituto Politécnico do Porto as ter auscultado, que não precisam destes cursos.
E por falar em trabalho: caso uma empresa possa contratar pessoas com um grau mais baixo (que tenham frequentado estes cursos) em vez de licenciados a quem, por norma, têm de pagar mais, qual será a opção da empresa, ainda mais num momento de crise que nós vivemos? Parece simples, não parece? E nós vamos deixar que isto aconteça?
“...caso uma empresa possa contratar pessoas com um grau mais baixo (…) em vez de licenciados a quem, por norma, têm de pagar mais, qual será a opção da empresa (…)?”
Além disto, parecem ser evidentes dois interesses inerentes aos politécnicos: o de captar alunos (por cada aluno, o estado atribui um valor) e o fator estatístico (este mais do interesse da tutela) que se resume ao aumento do número de licenciados no Ensino Superior.
Num contexto em que o Ensino Superior Politécnico compete por ministrar Doutoramentos ditos “Profissionalizantes”, a ideia de integrar estes “short cycles” (que tem um nome pomposo e parecido ao atribuído aos licenciados) e dos Cursos de caráter Profissional, vai assim contribuir para uma descredibilização do Ensino Superior Politécnico, que mais uma vez nos deixa a nós, estudantes que pertencemos a este quadro, num profundo sentimento de incapacidade por não termos uma opinião audível. 
É por isso que Crato tem sido anunciado como o próximo gestor de marketing de várias cadeias de Supermercados, porque consegue, além de dar “promoções”, uma subida incrível no número dos “lucros”. É dececionante que as pessoas olhem para Cristiano Ronaldo como um ídolo e esqueçam o nosso Ministro da Educação e da Ciência, que tem uma performance incrivelmente melhor que o CR7!
Mas o que me parece incrível é que, num país como Portugal, o Ensino seja feito com base em estatísticas e o que realmente interessa é poder aumentar o número de licenciados, para depois a Dona Merkel, ou qualquer outra personalidade do contexto europeu, nos possa dar uma palmadinha nas costas e um sorriso amarelo como quem diz: “Portaste-te bem”. E estes cursos? Têm “cheirinho” a fundos Europeus.
Estamos assim, a lutar e a debater na FNAEESP (Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico) estas ideias, uns mais a favor e outros mais discordantes, mas com a certeza que não somos mais que um órgão consultivo do Ministério.
E também esperamos sinceramente que Nuno Crato volte aos treinos, porque com tanta bola ao lado, não há clube que aguente! 



terça-feira, janeiro 28, 2014

E tudo a Praxe levou...


Tornou-se no assunto da moda falar de Praxe. Fala-se desde o café do Manel até ao supermercado da dona Ana e toda a gente tem opinião, uma opinião que vai desde o estúpido ao ridículo e do completo à total descontextualização. Fala-nos no jornal tanto o Senhor Zé do Talho como a Doutora Mestre Socióloga, especialista em fenómenos de praxe. Aliás o que é giro é toda a gente ter uma opinião. Eu próprio tenho uma, mas já que a Mixórdia de Temáticas está parada, sempre podemos tentar ouvir as opiniões de certos analistas que não percebem nada daquilo, mas que falam de maneira correctíssima o que parece conferir uma certa importância ao que dizem.
O que é giro é ver este tiroteio e humilhação pública face à praxe. Se fosse uma pessoa, teríamos de ligar para a APAV, que as nódoas negras já se sentem à flor da pele. E toda a gente aponta armas, agora, à praxe, com as balas a serem disparadas de quase todo o lado. Espero que a Judiciária faça o seu trabalho na Comissão de Protecção à Vitima.
O mais giro é que este país começa a parecer-se um circo, e até me admira como José Cardinal ainda não se candidatou a primeiro de ministro. Primeiro foram apresentados os números dos trapezistas das bancadas parlamentares a cortar ordenados e a subir nos seus próprios subsídios, depois os palhaços da co-adopção que exibiram anedotas à cerca das verificações da orientação sexuais em vez de examinar o amor que estas crianças recebem. Agora temos os malabaristas que procuram encontrar através de um esforço de equilibrio semelhanças relativas ao Meco e às praxes, conseguindo por toda a gente distraída com o assunto, enquanto vamos vivendo na pior crise que já presenciei, com as palermices e das injustiças que se vão cometendo.
O público aplaude e vai vivenciando estes números sobre a batuta dos jornais e da comunicação social, e o ministro Crato até já convocou inúmeras pessoas para discutir praxe. Espero que se fale deste assunto importantíssimo, e se tomem grandes decisões sobre este assunto, visto que estamos um bocado fartos que não convoquem os alunos e os professores para falar de coisas importantes. Por exemplo, não devemos prender-nos com assuntos relativos aos novos cursos de curta duração que o ministério está a tentar impor, sem consultar ninguém, nem sequer com a redução de orçamentos e bolsas de estudo, nem com assuntos relativos à qualidade de ensino. Se há assunto que mereça é falar de PRAXE.
Espero que os ministérios sigam este exemplo e que nos próximos tempos se abordem grandes questões como a quantidade de chouriças vendidas na Feira de Enchidos de Mirandela, os 3 meses que o Senhor Aires está à espera daquela peça para o automóvel e a baixa percentagem de ambulâncias da marca Honda que existem em Portugal, entre outras.
Espero que este país entre finalmente nos eixos. Pelos Automóveis e pelos Enchidos, marchar, marchar!

domingo, janeiro 12, 2014

A incerteza das palavras: coragem de arriscar


Cruzas-te com pessoas todos os dias. Diferentes, indiferentes, cuidadas, mal vestidas, pessoas. E entretanto os dias desfilam pelos meses com uma facilidade incrível que te deixam num arrastar incrível. Sabes que não falaste aquelas palavras, que querias repensar a ultima frase e que nem sorriste aquela pessoa. Sabes que nem sempre foste tu próprio, sabes que não tiveste a coragem de dizer o que querias, e agora pode ser demasiado tarde...
Ninguém parecia estar acordado naquela madrugada no número 5 de Harrinson Park, onde as luzes da rua pareciam ser apenas o único sinal da ténue vida que ali se perpetua e onde apenas a centrifugação de uma tal máquina de lavar fazia de barulho de fundo e inundava aquela casa.
Mas lá ao longe, na porta mais distante da casa, entreaberta, havia uma pequena luz, de um pequeno candeeiro que iluminava de forma leve a secretária e o barulho da lapiseira que se arrastava e desenhava novos sentimentos e reais descrições no papel disposto junto aos cadernos da secretária.
Ao voltar-se na cadeira, aparece-nos uma figura masculina, de barba por fazer e cabelo castanho, de olhar vago e de olheiras carregadas, de quem já não tem uma boa noite de sono há alguns dias. O cansaço e o trabalho dominavam o ar que era combativo posteriormente com uma caneca de café gigante que se dispunha também na secretária.
É incrível como às vezes nos comprometemos tanto no trabalho, ou nos centramos em coisas com pouco significado, divagando no vazio e nas nossas próprias ilusões, como que egoístas. Por vezes estamos tão preocupados com este quintal que é nosso, que nem percebemos que é preciso fazer as pessoas sentir que gostamos delas, é preciso dar-lhes atenção e mostrar que nos importamos. Várias vezes passamos e dizemos um "olá", quando a pergunta certa era um "estás bem?".
"Há quanto tempo não és tu próprio?"
A frase parecia embater em George, o tal rapaz das olheiras carregadas. Estava uma vez mais sobrecarregado de trabalho e entusiasmado com a perspectiva de publicar a sua maior colecção de livros, que não tinha feito mais nada que aperfeiçoar cada frase que iria ser publicada, para dar ao público um impacto enorme. 
Olhava agora para aquela frase e estranhamente sentira-a como poucos. É verdade que tinha sido ele a escrevê-la num desses volumes dos seus romances históricos, mas agora aquelas palavras embatiam nele como que uma avalanche. O cheiro da casa ainda intensificava mais este cenário.
Verónica vivia a dois quarteirões, na avenida de Stamford, e já não falava com ela desde os últimos dias de sol de Setembro, onde começara intensamente a trabalhar naquele projecto. Gostava dela, mas não sentira ainda um "click" nem a confiança certa para lhe dizer. 
Com todo o trabalho que desenvolvia agora, lembrava-se que as últimas palavras tinham surgido por uma discussão qualquer e que nem as coisas ficaram bem resolvidas, nem assim pareciam estar. Ela sabia que ele estava ocupado e além disso parecia não haver nada a dizer, como que um bloqueador de conversa que se impunha entre os dois, apesar de saberem que ambos poderiam iniciar uma conversa em segundos.
Há coisas inexplicáveis, que dependem apenas da nossa capacidade de perdoar, da capacidade de ter coragem de ser felizes.
George, olhou para o relógio de pêndulo que por ali estava e pronunciou vagarosamente as horas: "três-e-cin-quen-ta-e-sete". Quase quatro da manhã, e ainda assim estava de pé. Olhou uma vez mais para os livros e lembrou-se de uma música que tinha ouvido há uns tempos: "Nada dura para sempre". Incrivelmente não era, antes de mais, uma música derrotista, mas sim sobre a intensidade da vida. Viver o momento e sentir como se fosse para sempre... as pessoas precisavam tanto disto. Mas não! Somos teimosos e interesseiros, preocupados apenas em cuidar do que roda à volta de nós. Sem sair da caixa.
Talvez Verónica estivesse acordada...
Marcou o número com uma agilidade e rapidez incrível, ficando a fitar o nome que lhe aparecia no ecrã. As dúvidas eram imensas, mas a decisão parecia estar a ganhar confiança. Afinal tinha de arriscar, não?
O telefone tocou várias vezes...
Pensou que talvez ela estivesse de facto a dormir, que o seu trabalho a deixasse exausta e tivesse tirado o fim-de-semana para esse descanso. Ou, na pior das hipóteses, estivesse com outra pessoa, que tivesse tido mais coragem que ele. Talvez fosse melhor desligar...
- Sim?
No último fôlego, a voz que tanto queria ouvir pronunciou-se e um clima diferente instalou-se por aquela secretária e a luz ténue pareceu ficar mais brilhante.
- Verónica?
O nome era intenso de cada vez que o pronunciava e o seu nervosismo parecia evidente, mesmo para quem estivesse do outro lado da linha.
- Sou mesmo eu George... Passa-se alguma coisa?
Só agora é que tinha percebido que eram quatro da manhã, uma hora incomum das pessoas ditas normais se telefonarem, mas que não ia influenciar em nada as suas convicções.
- Era só para saber... se queres ir tomar café amanhã? Eu sei que é domingo, e claro, se tiveres o que fazer e...
- Sim, eu posso. 
- Ah, pois. Melhor. Então às 16h no Goodinson's? 
- Claro. Lá estarei. Não te atrases.
- Se alguém tem de esperar por ti, sou eu!
E riram-se. Riram-se como se o mundo tivesse ganhado uma nova força, um novo sentido. Como se as coisas se tornassem mais fáceis, e apesar de a esperança ser a única força de George, agora as coisas podiam fazer sentido.

"As nossas dúvidas são traidoras e fazem-nos perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar."