quarta-feira, abril 30, 2014

As nossas mãos



(...)
Anoitecia mais uma vez. Sobre o rio, a vaga luz que descia do céu reflectia como um vulcão incandescente e intenso amarelo torrado de final de tarde, espreitando por entre as nuvens cinzentas que previam uma chuva miúda na próxima madrugada. Mas não ia chover agora.
Na grade junto ao rio, as mãos deslizavam suaves por entre o corrimão que fazia a fronteira entre uma queda na horizontal de uns bons metros no rio. Nesse dia, vestias um vestido claro, com uma camisola de seda, verde e usavas aqueles sapatos que comprámos uma vez nas nossas voltas de domingo à tarde.
- Tenho medo...
Se já muito tinha escrito sobre os medos da rapariga dos cabelos castanhos, hoje sentia mais um, mais uma vez a mão dela insegura a tremelicar, com os lábios expectantes e os olhos cravados entre o rio e o por do sol, na parte mais profunda do horizonte.
Olhei-a de novo, com o carinho de sempre, com a ternura que, por mais que tentasse transmitir, me parecia pouca e disse-lhe:
- Chiuuu! Eu estou aqui.
E por mais tempo que passasse, eu sabia. Sabia que não havia alguém que me pudesse transformar o chão como as pegadas daquela rapariga, nem que os seus olhos castanho escuros se dissolvem-se numa lenta manhã de nevoeiro, pois as suas lágrimas apenas se podiam comparar ao orvalho da manhã.
Mas eu não queria essas lágrimas. Preferia os dias de sol de Agosto, radiantes e convictos como a beleza do seu sorriso, e nada mais poderia interessar do que ser feliz. Nem sequer as trovoadas de Abril ou o frio gélido de Janeiro. Se eu não estivesse convencido disso, então não seria eu, nem as palavras que te digo em frente ao rio fariam qualquer sentido.
- Espera...
Afastaste-te de mim, à procura de uma pedra que se encontrava junto do carvalho grande do parque. Não percebi logo se deveria ir atrás de ti, mas depois dei conta que apenas precisavas daquele momento. O rio engoliu, passados alguns segundos, a pedra que atiravas com tamanha força que rapidamente chegou ao fundo.
Nada da vida é definitivo, mas o sempre também é uma palavra do dicionário, já dizia o meu avô. E a vida não fazia sentido se não pudesse fazer alguém feliz. E esse alguém eras tu.
Olhei de novo para ti e vi uma lágrima a jorrar pelo canto do olho, descendo pela bochecha até chegar ao extremo do queixo, caindo com estrondo no chão. Ver-te chorar era uma das coisas piores que poderia assistir e não queria deixar que isso acontecesse.
- Não...
Corri a abraçar-te. Tinha prometido a mim mesmo que isto não voltaria a acontecer, que as tuas incertezas e os teus medos se segurassem nas minhas mãos, assim como eu pego na tua que deixa quase instantaneamente de tremer. Limpei-te as lágrimas com a minha camisola e abracei-te de novo.
Queria dizer que gostava de ti, queria dizer que tinha saudades, queria dar-te o mundo, queria que fossemos um só. Mas apenas o abraço e o beijo podiam transmitir tudo o que eu queria ser ao teu lado, sem medos.
Nada podia cobrar o preço de um abraço ou de um beijo. Ao meu jeito, depositei neles a ternura que sempre tentava transmitir, na essência do que queria dar-te...

E nunca mais as tuas mãos tremeram assim.

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