segunda-feira, junho 23, 2014

Abraço


Rasgava uma luz ténue por entre os cortinados da janela na minha sala de estar, começando a percorrer o corredor devagarinho, como que tentando não acordar ninguém, vindo plantar-se por entre a porta do meu quarto e embatendo-me na roupa.
A mala estava prestes a ser fechada, depois de acomodar algumas roupas e aquilo que a meu ver seria essencial para alguns dias longe daqui. A última camisa dobrada, o ultimo fecho e pronto, tudo preparado.
Junto a mala ao banho fresco que tomei para acordar. São seis e meia da "matina" e o comboio da Beira Alta chegará em breve à estação.
Passo num caminhar lento, para não fazer barulho, pois no andar de cima repousam os meus pais, no seu quarto. Paro apenas no hall de entrada, deixando um bilhete como que a justificar uma saída com uns amigos para férias, a fim de não os deixar preocupados. A minha mãe de certo me telefonaria entretanto.
A pé e de mala às costas, como tantas vezes por esses caminhos fora o fizera em fins-de-semana longos, com mais um par de amigos e lenço ao pescoço, mas desta vez com um destino mais alargado.
O ar quente passou rapidamente com o chegar do comboio. As carruagens, ligeiramente mais frescas dispunham-se numa longa fileira de luzinhas e janelas, onde pude tirar o bilhete.
A viagem fez-me trocar de comboio na Pampilhosa e desembarcar posteriormente na Campanhã, no Grande Porto. Confesso que nunca tinha frequentado a linha roxa do Metro Porto, mas a viagem iria-me levar até ao destino final da mesma.
E foi assim, pela primeira vez que pisei o Francisco Sá Carneiro, um aeroporto em franca expansão e mais organizado e bonito que a conjuntura da Portela...

(...)

Memmingen-Munique, pela Ryanair ficava a algumas horas de distância, mas o placard marcava já a abertura do check-in. Teria de me despachar, pois chegar com pouco tempo para fazer tudo o que era necessário até ao embarque, mesmo bem à maneira "tuga".
O voo descolou passavam pouco mais de 15 minutos das 3 das tarde. Até lá, já tentara acalmar o estomago e passeado pela zona internacional do Aeroporto de Pedra Rubras. Farto de esperar...

(...)

Ao fim de tarde, Memmingen avizinhava-se simpática, a cidade da região da Suábia na Baviera, com pouco mais de 40 mil habitantes numa zona que servia de apoio à Grande Munique. Confesso que olhei de lado ao aterrar, pois as quatro bolas na baliza portuguesa pelos alemães ainda estavam bem na memória recente, vistas ainda por mim na mente há um par de semanas atrás.
Depois da saída do aeroporto, precisava de me localizar. Füssen, era o destino por aquele e os 80 e tal quilómetros era o que nos separava. Parecia pouco, mas seriam 3 horas de comboio devido a obras da principal via de acesso (que poderia fazer de autocarro) e por isso a viagem tornar-se-ia cansativa, com um acumular das imensas horas que passavam desde a saída de casa em Mortágua...
Adormeci, acordando com o Samsung a despertar, por volta das 21:30, com Füssen já à vista. A estação central, bem no epicentro de Füssen agradou-me, esta que mostrava a pouca distância que se separava da fronteira austríaca bem ali no final da curva do rio. O Hirsch, ficava umas ruas à frente e percorri a pé a distância que separava o edifício tradicional alemão.
Entrei. O seu interior combinava muito com o exterior, bem cuidado e com um travo a Baviera. Depois do check-in na recepção do hotel, subi ao quarto 52. Estava exausto apesar de na maior parte do dia ter estado sentado, deitando-me na cama só para "me esticar".
Acordei uma hora depois com o toque do telemóvel. Um  número alemão...
- Estou?
- Sim? É a Rose.
- Oh, olá Rose. Então como vai tudo?
- Por aqui tudo bem. E tu?
- Cheguei à pouco. Um bocado cansado... E os miúdos? E o Philipe?
- Estão bem. O Philipe, está ali a ressonar no sofá. O trabalho na estufa tem sido mais intensificado nestes dias, ainda mais com a expansão que decidimos fazer.
- Oh compreendo, claro. Vocês trabalham bem.
- Sim. Telefonei-te por causa...
- Dela, não foi?
- Sim. Amanhã é o dia de folga dela e de maior parte do pessoal da empresa. O Philipe e eu temos de ir lá de manhã, mas estávamos a pensar deixá-la em Neuschwanstein, porque ela ainda não viu o castelo.
- E vai sozinha?
- Sim, eu digo-lhe que voltamos rápido e ela fica por lá a visitar, pois como deves calcular aquilo já nos é bastante familiar.
- Tens toda a razão claro. Nem pensei nisso.
- Não te preocupes. Tudo bem. Então está por lá às 10 amanhã, sim?
- Claro que estarei... afinal porque raio teria vindo hoje de Portugal?
- Eu sei. Mas promete-me uma coisa...
- Então?
- Fá-la Feliz.

Neuschwanstein avizinhava-se imponente. Eram nove e trinta da manhã, e sabendo que os alemães seriam sempre mais pontuais que nós, decidi-me por ir mais cedo. Um frio na barriga, como me assolava sempre nestes momentos, prendeu-me a respiração. A rapariga dos cabelos castanhos...
O castelo, que esteve a concurso das 7 maravilhas do mundo, era mesmo maravilhoso, talvez um dos monumentos mais bonitos que tinha visitado. Faltavam alguns minutos...
Decidi-me por entrar no castelo. Saberia que ela ia acabar por encontrar-me, havia qualquer coisa que me dizia. E sendo assim dirigi-me até à torre mais alta do castelo, com uma vista fantástica para o Lago Forggensee, esperando e apreciando a vista.
Pareceu-me tê-la visto entrar no castelo, mas a longa distância que nos separava foi impossível distinguir tal visão. Saberia que ela própria não ia deixar de ver aquela vista de sentir aquele lugar. Era ela, e eu sabia o que ela era. Sabia como precisava de uma mão e de um beijo. E de alguém que fizesse valer a pena.
Ao olhar a porta, e estando a torre deserta, ouvi passos a aproximar-se. E a silhueta que me fazia reluzir os olhos, abrir um sorriso e tremer um pouco as mãos encostou-se à porta como que embasbacada, sem reacção.
Poderia imaginar a quantidade de perguntas que ia fazendo mentalmente, mas olhei-a com uma profundidade no olhar e aproximei-me. Em simultâneo, ela fez o mesmo.
E sem dizer uma palavra, cheguei-me ao pé dela e disse:
- O mundo todo e eu só preciso de ti.
E quase que com um bailar de lágrimas nos olhos, dois meses depois da partida de Portugal para trabalhar nas estufas da Alemanha, a rapariga dos cabelos castanhos abraçou-me, sussurrando-me ao ouvido:
- Nunca mais me largues.

O melhor abraço do mundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário