domingo, novembro 25, 2012

Veneza, 7 de Novembro de 1987

Era ela.
De costas para a ria, arcadas subidas, ela deslizava os olhos sobres os barcos que passeavam, ora para sul, ora para norte, na cidade sobre o mar e a ria. Veneza de seu nome, terra de gentes burguesas onde outrora vira passar reis e rainhas, príncipes e princesas, imperava sobre as cúpulas das suas igrejas e basílicas ficando a imponência do homem sobre a natureza, construindo na água aquilo que era impensável.
Enganara-me várias vezes no seu nome, em episódios já relatados aqui, e vulgarizava-a, pensava que tinha partido para nunca mais voltar. Esse nome baila nos olhos dela e nos meus lábios.
O céu dera sinais de querer rebentar sobre águas, mas por enquanto era o sol que imperava naquelas margens, como um disco de ouro sobre o fundo de prata, reluzindo intensamente sobre as águas da cidade flutuante.
Timidez.
Sempre fora um ponto que não jogava a meu favor, mas aquele rosto algo familiar, resplandecia sobre o silêncio do lago e eu, mais certo das intenções que me julgavam, avancei em tom familiar e honesto, sem esquecer a educação:
- Eu conheço-a?
Bem, o rosto que se formou era diferente. Não interessava a voz rouca, a timidez do olhar, nem nada de marcas fisicas. Via agora o rosto inteiro, sem nenhuma distorção na água ou qualquer outra coisa que me impedisse de conhecer a real beleza da rapariga dos cabelos castanhos.
Mais uma vez, era ela. Ela que se cruzava comigo naquelas águas depois de tanto tempo sem falar dela, e que volta hoje como única e característica, diferente mas igual a ela própria. E sim, o sorriso era tudo.
Nada mais interessava agora, apenas...
- Hum, não me é estranho. Parece que já o vi por aí.
Talvez não se lembrasse, mas não a podia julgar. Eu já não me lembrava bem como era ela ou como era sentir o traços dela.
- Eu achei algo de singular em si e familiar. Não leve a mal a indelicadeza...
Os olhos bailavam como os das crianças quando queriam uma guloseima, fortes e firmes sobre os meus.
- A mal? Não! Não é todos os dias que se é bem tratado por um desconhecido.
E sorriu. Pisquei o olho, mais confiante e disse:
- E se eu a convidasse para um café? Afinal não é todos os dias que se vê um sorriso destes...
O sorriso abriu-se, e o arrepio nos dois foi verificado com uma certa incerteza da conversa, mas ambos sabiam o que podia resultar dali, como velhos conhecido, que já não se encontram há muito tempo.
- Vai pagar bem caro o elogio! Sabe que o café é bem mais caro aqui por Veneza?
Indecisão.
- Isso é um sim ou um não?
Voltou a sorrir.
- É bom deixar os homens na dúvida, mas é um sim! Estava com medo que não quisesse beber um café consigo?
- Não...
Mistério.
- Então?
Finalmente voltei ao sorriso, ao piscar de olho, muito mais confiante que aquele seria o primeiro café de muitos e voltei a carga:
- Tinha medo de não a ver sorrir mais vezes.

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