sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Gaza

8 da manhã, Jibaliya, Refugee Camp, Gaza Strip.

Ismail, dez anos, já viveu por o dobro da idade. O seu pai, pertencente ao braço armado do Hamas, possivelmente ligado à Al-Qaeda e contra todo o poder e domínio do ocidente está desaparecido e ninguém sabe do seu paradeiro. Ismail recorda as últimas palavras de Abdullah:
"Comer a carne de tão sujo animal como o porco é um crime Ismail. Não te aproximes de nenhum, nem o deixes pisar o nosso solo como o fazem os imundos do outro lado da barreira."
O ensinamento vinha das escrituras muçulmanas e também partilhadas em parte pelos Judeus de Israel, mas a opinião de quem vive em conflito é diferente, pois os judeus maneiras arranjaram de fazer negócio sobre este assunto. Ismail não entendia muito disso, mas sabia o que eram rockets, grandes barulhos e confusões envolvendo AK-47 e outras tais. Era normal a presença de pistolas mesmo no campo de refugiados.
Ismail pedia a uma senhora de bata branca que lhe fosse chamar o pai.
- Meu querido, eu depois de tirar estas fotografias aos senhores vou lá. O teu pai acho que estava ali na ala da frente, mas pode ter sido transferido. Olha pega lá este rebuçado.
As palavras em árabe rudimentar foram suficientes para acalmar a criança. Maria Eugénia, radiologista em missão de voluntariado, estava há alguns meses no cenário de Gaza. Era portuguesa e como não tinha marido nem filhos resolvera partir para esta missão. A criança que acabava de receber o rebuçado era de uma adoração por Maria, e ela gostava de poder levá-lo daquele cenário e deixá-lo crescer feliz...
E o pai? Um terrorista. Todos sabiam mas ninguém podia dizer nada, pois arriscavam a vida. E mal a criança sabia...
- Susane?
- Yes, dear.
- Levas o menino? Eu já vou falar com ele.
- Sim, está à vontade.
Era preciso prepará-lo...
Algum tempo depois, a ala direita da enfermaria estava mais livre e chamou então Ismail. Acendeu a televisão e a notícia disparou para os olhos da criança, que habituada aquilo não lhe ligou muito.
Um carro armadilhado e um bombista suicida explodiram 30 km a norte de Gaza, numa pequena aldeia, dizimando mais de 20 pessoas, ao que tudo indica Judeus. Mas a criança paralisou os olhos quando saltou à vista um nome: Abdullah.
E depois um vídeo de alguém com a cabeça tapada declarando e reivindicando o atentado. Nada de estranho, não fosse a voz reconhecidamente do seu pai...
- Ismail...
- O meu papá? Onde está ele?
- O teu pai foi ter com Alá. Eles queriam encontrar-se rapidamente, ele lá estará bem, certamente no paraíso...
- Mas foi o papá que fez aquilo?
- Ele acreditou que o mundo ficaria melhor para ti, se isso acontecesse, e como saberias rapidamente que ele fora o causador, eu decidi que soubesses em primeiro que alguém te contasse.
- Mas o papá não é mau!
- O teu pai acreditava nisto. Eu sei que ele o fez para te proteger...
Era dificil, o menino ainda era muito novo para perceber...
- Mariah?
- Sim, meu pequenino?
- Cuidas de mim?
- Claro pequenino, com todas as minhas forças.
- E o papá?
- Não volta, mas sei que vai estar lá em cima a torcer por ti.
- Eu não quero ser como ele... Sei que ele era mau...
- Não! Ele apenas acreditava num mundo diferente, e talvez tenha percebido mal ou alguém o obrigou a fazer isto...
- Quero ser como tu... ajudar pessoas...
- E vais ser pequenino. Não vou deixar que te magoem.
E choraram, juntos, a escolha de um homem.

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