quarta-feira, fevereiro 27, 2013

The Last Chapter.


Era noite cerrada, no último dia de Verão e pouco conseguia dormir.
Aquele Setembro não tinha sido sem dúvida o melhor que já tinha tido, e os maus presságios continuavam a tornar-se cada vez mais evidentes. Chovia nessa noite, estranhamente, uma chuva violenta e um trovejar tempestuoso.
Tinha estado a escrever até altas a horas, investindo o meu pouco sono naquilo que mais gostava e que mais precisava no momento. A rapariga dos cabelos castanhos tinha dormido em casa dos país, embora eu preferisse que ela tivesse ficado por aqui, tinha de respeitar a sua vontade. Talvez se quisesse sentir mais perto deles, já que apenas o pai conheceu durante alguns anos da sua vida...
Há muitas coisas que não compreendia ainda dela, mas que achava que talvez não o pudesse compreender, porque essas coisas lhe diziam respeito ao seu intimo e com o passar do tempo ia acabar por perceber porque fazia ela as coisas dessa maneira.
Bip-bip.
O telemóvel vibrava na mesinha ao lado. Aquela hora...
- Sim?
- Estou?
- Então? Não me digas que estás com medo da trovoada?
- Ahhhhhhh... um bocadinho, sim.
Sorri. Já estava a espera do telefonema dela, porque em noites de trovoada sei que tinha sempre de pedir protecção.
- Acordei-te?
- Não. Estava para aqui a escrever, sem sono.
- Já conheço essas noitadas. Pelo menos não foste sair com outra, pelos vistos.
- Olha que tola! Na verdade, fui.
- Foste?!
- Claro. Levei a tua cadela à rua, passear.
- Com essa estás a vontade!
E rimos os dois. Mas o tom de voz dela mudou repentinamente.
- Há uma coisa que vou ter de fazer...
- Uma coisa?
- Sim...
- Então?
- Não te preocupes, tudo vai ficar bem.
- Sabes que gosto que confies em mim...
- Então confia apenas que vai ficar tudo bem.
- Okay, está bem.
Silêncio.... Teria desligado?
- Tenho saudades...
- Saudades?
- Tuas! Nossas.
- Mas só foste hoje aí, eu prometo-te que amanhã estamos juntos outra vez. 
- Sim... tenho de desligar. Um beijo enorme.
- Um beijo para ti também.
Desligou. 
Preocupava-me aquela conversa, aquelas hesitações... Bem amanhã de certeza que poderia tirar tudo a limpo, e perceber o que se passava com ela...

Acordei. Tinha dormido pouco, com um pressentimento estranho. Tentei ligar-lhe e não atendeu. Poderia estar a dormir ainda... então deixei mensagem.
A viagem de carro foi rápida, procurei andar depressa. Alguma coisa se passava! A viagem de meia hora transformou-se me 15 minutos, visto que não havia trânsito aquela hora da manhã. Parei o carro, e não encontrei o da rapariga dos cabelos castanhos... Talvez estivesse na garagem.
Tentei tocar à campainha e dei com uma chave da parte de dentro da campainha, numa portinha pequena onde era possível aceder ao funcionamento da mesma. A chave abriu a porta.
E então entrei...
Não havia sinais dela. Talvez nem tivesse dormido ali, ou pelo menos partira cedo. O que se passava?
O telemóvel estava ocupado e as mensagens não foram entregues...
- Um bilhete!
Estava ali em cima da mesinha de cabeceira do antigo quarto dos pais.
"Ninguém pode entender as razões que me levaram a fazer isto. Não penses que és o culpado, apesar de saber que te culpas e de te sentires destroçado neste momento. Tenta ganhar algum alento, tu mereces ser feliz. Um dia vais perceber o porquê de tudo isto. Eu poderia ter esperado por ti para me despedir, mas não conseguiria fazer sem chorar e sem pensar em querer ficar, porque não posso. Vais  ter notícias minhas em breve, tenho a certeza. Enquanto isso cuida dos pequenos, tenho a certeza que a tua mãe te ajudará, ela é uma grande senhora. Não te peço que te prendas, se quiseres encontrar outra pessoa, mereces isso. Se há alguém que sonho na eternidade é ao teu lado.
Contigo. Um beijo.
Para sempre,
Rapariga dos Cabelos Castanhos, como carinhosamente me chamas"

E mais tarde percebi tudo isto. Poucas horas depois recebi um telefonema. Ela tinha sido encontrada sem vida, com uma overdose brutal de Barbitúricos, como um passarinho. Não foram nada fáceis estes dias, mas depois da autópsia percebi o porquê: a operação de remoção do tumor não tinha sido eficaz e criaram-se e espalharam-se metastases, e ela fingiu estar tudo bem por muito tempo, faltando aos tratamentos percebendo que já não era possível salvar-se. Não quis que assistíssemos à sua degradação, e optara por aquele caminho. Tinha de respeitá-la...
E agora recordo apenas alguns episódios que se passaram felizes ou mais tristes, mas que fizeram da minha vida melhor. Porque eu quis recordá-la como uma heroína. 
Em algum lugar ela estará...

"Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada." (Fernando Pessoa) 

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Gaza

8 da manhã, Jibaliya, Refugee Camp, Gaza Strip.

Ismail, dez anos, já viveu por o dobro da idade. O seu pai, pertencente ao braço armado do Hamas, possivelmente ligado à Al-Qaeda e contra todo o poder e domínio do ocidente está desaparecido e ninguém sabe do seu paradeiro. Ismail recorda as últimas palavras de Abdullah:
"Comer a carne de tão sujo animal como o porco é um crime Ismail. Não te aproximes de nenhum, nem o deixes pisar o nosso solo como o fazem os imundos do outro lado da barreira."
O ensinamento vinha das escrituras muçulmanas e também partilhadas em parte pelos Judeus de Israel, mas a opinião de quem vive em conflito é diferente, pois os judeus maneiras arranjaram de fazer negócio sobre este assunto. Ismail não entendia muito disso, mas sabia o que eram rockets, grandes barulhos e confusões envolvendo AK-47 e outras tais. Era normal a presença de pistolas mesmo no campo de refugiados.
Ismail pedia a uma senhora de bata branca que lhe fosse chamar o pai.
- Meu querido, eu depois de tirar estas fotografias aos senhores vou lá. O teu pai acho que estava ali na ala da frente, mas pode ter sido transferido. Olha pega lá este rebuçado.
As palavras em árabe rudimentar foram suficientes para acalmar a criança. Maria Eugénia, radiologista em missão de voluntariado, estava há alguns meses no cenário de Gaza. Era portuguesa e como não tinha marido nem filhos resolvera partir para esta missão. A criança que acabava de receber o rebuçado era de uma adoração por Maria, e ela gostava de poder levá-lo daquele cenário e deixá-lo crescer feliz...
E o pai? Um terrorista. Todos sabiam mas ninguém podia dizer nada, pois arriscavam a vida. E mal a criança sabia...
- Susane?
- Yes, dear.
- Levas o menino? Eu já vou falar com ele.
- Sim, está à vontade.
Era preciso prepará-lo...
Algum tempo depois, a ala direita da enfermaria estava mais livre e chamou então Ismail. Acendeu a televisão e a notícia disparou para os olhos da criança, que habituada aquilo não lhe ligou muito.
Um carro armadilhado e um bombista suicida explodiram 30 km a norte de Gaza, numa pequena aldeia, dizimando mais de 20 pessoas, ao que tudo indica Judeus. Mas a criança paralisou os olhos quando saltou à vista um nome: Abdullah.
E depois um vídeo de alguém com a cabeça tapada declarando e reivindicando o atentado. Nada de estranho, não fosse a voz reconhecidamente do seu pai...
- Ismail...
- O meu papá? Onde está ele?
- O teu pai foi ter com Alá. Eles queriam encontrar-se rapidamente, ele lá estará bem, certamente no paraíso...
- Mas foi o papá que fez aquilo?
- Ele acreditou que o mundo ficaria melhor para ti, se isso acontecesse, e como saberias rapidamente que ele fora o causador, eu decidi que soubesses em primeiro que alguém te contasse.
- Mas o papá não é mau!
- O teu pai acreditava nisto. Eu sei que ele o fez para te proteger...
Era dificil, o menino ainda era muito novo para perceber...
- Mariah?
- Sim, meu pequenino?
- Cuidas de mim?
- Claro pequenino, com todas as minhas forças.
- E o papá?
- Não volta, mas sei que vai estar lá em cima a torcer por ti.
- Eu não quero ser como ele... Sei que ele era mau...
- Não! Ele apenas acreditava num mundo diferente, e talvez tenha percebido mal ou alguém o obrigou a fazer isto...
- Quero ser como tu... ajudar pessoas...
- E vais ser pequenino. Não vou deixar que te magoem.
E choraram, juntos, a escolha de um homem.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Little Time


This is the time,
This is the word,
This is my choice
My accord.

People say: Mistakes never die.
And I go back for the last chance.
For the last dance,
With your smile.

Growing Trees,
Brake the shadows.
And you never will be free
In the end, broken smiles,
Tears chosen or the pure happy .
Will see.

The train goes ahead,
Never forget the ticket,
It's one last chance,
On your life, don't forget.

domingo, fevereiro 17, 2013

Express(ões)

Era simples?
Era. Bastava falar.
Era bom?
Era. Bastava partilhar.
Mas consentimos ficar calados, na mais profunda dúvida...
Mentira. Eu abri a porta, mas não estava ninguém. Ou se estava, estava nos arbustos escondida. E eu não vi, pois teria a vontade suficiente para te arrancar dos arbustos e trazer-te para a fogueira da sala de madeira, da casa que não tem paredes. E sim, talvez seja a palavra desistir que mais percorra o ar da minha atmosfera, porque para mim, basta...
Esperava mais, espero mais, sou exigente, não quero, nem queria que assim fosse diferente. Queria que fosse exactamente como é para que eu saiba se é realidade. Pois eu não sei... e mais que não saber tenho a certeza de não saber o que tu és, como és. É difícil compreender? Pois, não temos sido claros.
E chega a hora de dizer basta, de deixar os outros correrem atrás de ti, porque eu não posso. Não posso correr quando o faço de jeans e t-shirt e os outros parecem destinados a vencer com as sapatilhas de marca e os calções de fibras-não-sei-quê. Sou fraco? Sou. É evidente, mas prefiro chamar cauteloso, porque nem sempre foi fácil viver magoado, o que me tornou orgulhoso. A sério, eu tentei. Tentei abrir a porta. Mas o hall ainda só tem as minhas botas encostadas a um canto e nem há sinais sequer do teu perfume.
E não vale a pena escrever muito mais sobre aquilo que não tem história. Eu tentei de alguma maneira fazer parte da tua, mas o livro parece demasiado grande para assumir a personagem principal... 

Não faz mal, vou esperar para que saia o filme!

E vou esperar sobretudo que o guião mude, ou então que mude eu o guião. 
O teu ou o meu? O dos dois, pois se mudar o meu vou mudar o teu e se mudar o teu, vais mudar o meu. 
E opiniões e criticas? Vão surgir, muitas e muitas, mas não me preocupa se eu sou demasiado isto ou demasiado aquilo, se devia fazer isto e aquilo.

Porque eu é que escrevo o meu guião. E já decidi que vai ter um final feliz.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

A Rapariga dos Cabelos Castanhos: Zero

Decidi começar a escrever de novo, pelo principio e sem crónicas soltas sobre ela. E o primeiro ponto é ainda antes de nos conhecermos, o que começo por deixar no ar a dúvida: será esta rapariga real? Claro que as histórias são deturpadas pelo menos, porque escrever sobre Siena e Nova Iorque sem lá por os pés é mais complicado. Mas e se ela existir? Ou talvez ela revele facetas diferentes de raparigas diferentes. Ou seja apenas uma que possa ser a ideal. Pois, isso ninguém saberá, mas a verdade é que escrever sobre ela deixa-me mais aliviado, mais reconfortado com o destino que leva a minha vida, e também exprimir o que mais gosto de fazer, a escrita. Mas está na hora de voltarmos ao início: 

Capítulo Zero - Acasos e Dúvidas

Ninguém pode dizer ao certo qual o momento exacto em que comecei a gostar da rapariga dos cabelos castanhos, mas posso pelo menos lembrar-me de quando a conheci.
O céu dessa noite era estrelado, as luzes da cidade iluminavam as artérias principais e tudo era unificado no mar de estrelas que cobria a noite. Prometia grande festa nessa altura, e eu já tinha ouvido falar aqui e acolá daquela rapariga. Não tinha prestado particular atenção ao início confesso, mas depois do que aconteceu instalou-se uma nostalgia e uma responsabilidade sobre ela. Eu era jovem, tinha sonhos, ideias diferentes, mas tinha sobretudo uma coisa na cabeça: certezas. Tinha certezas que não queria levar uma vida de curtes e namoros interesseiros, tinha certezas no que queria, quando queria, tinha certezas do que ia fazer, mas a confiança interior muitas vezes não se revelava no exterior e isso era prejudicial...
O nome dela, como já perceberam, não vou revelar, mas podia ser qualquer um porque o fascínio estava noutros detalhes que por vezes nem consigo descrever. Nem era o físico, nem sei se era o psicológico, mas quando se gosta não se olha muito a essas coisas, porque há algo que nos desperta, e eu ficava mudo cada vez que a via ou estávamos perto por algumas ocasiões. Faltava-me confiança, e outros assuntos ainda podiam piorar.
Nessa noite as coisas ficaram por um beijo, e talvez não tenha sido o melhor inicio, mas eu precisava de manter o contacto, de criar oportunidade, de tentar... tentar!
As coisas não passaram de conversas espontâneas durante alguns meses, e eu associei a espera ao tempo que precisava ela para se recompor, tanto como eu, que vinha de uma relação difícil, e as coisas não estavam bem. Não, não a usei nessa noite. Tenho a certeza que me deslumbrei pelos olhos redondos e pelos cabelos longos e castanhos. Havia algo diferente.
E por vezes o destino, para quem acredita nele, prega-nos estalos, bombardeia-nos com dúvidas, e eu nessa fase tinha imensas dúvidas, porque precisava que ela me respondesse... No entanto eu não podia ir depressa de mais porque ia acabar por estragar tudo.
Não foi fácil, nesta fase ela já tinha de certo conhecido outras pessoas, feito outras amizades e eu não me habituei a isso, vendo cada pessoa que preenchia a vida dela como um ocupador do espaço que queria ser eu a preencher. E ver outros rapazes a aproximarem-se foi duro, muito duro...
Mas eu tinha de continuar a ser forte, e por uns tempos esqueci-a, como que um brinquedo que tens dentro do teu baú há anos e não o usas com medo de partir. Sim, eu deixei que outros ganhassem a corrida por ela, embora eu não soubesse se ela os ia aplaudir na chegada à meta... 
E sempre acalentei o sonho de poder voltar a tê-la comigo, como naquela noite. Não desisti secretamente, e talvez por isso tenha sido recompensado mais tarde, mas no entanto tinha de viver a vida e deixá-la viver enquanto me mantinha forte e sabia que tinha várias armas que podiam pelo menos manter-me assim. 
E usei-as todas, e talvez por isso, uns tempos mais tarde aconteceu o que aconteceu... mas isso é tema para outro capítulo.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Hypnotized


"Things, Things and Things!" (Into the Wild, Sean Penn)

Olhamos e giramos a vida à volta de coisas: o carro, a casa, o telemóvel... e usamos isso não só para obtermos uma falsa felicidade como para uma falsa exibição e ostentação do que somos. É como se tivéssemos um espelho à frente e nos olhássemos a fim de comentar como parecíamos bem ou como somos superiores. Coisas, apenas isso.
Conforto não é sentar no melhor sofá daquela loja de móveis e tê-lo em nossa casa. Diversão não é o novo videojogo que saiu ou a consola nova. E a ansiedade não se resolve com medicamentos ou camas confortáveis ou jantares apetecíveis. Para isto há o sorriso, o olhar, a conversa, a intimidade.
Nada vale quando apenas nos cingimos a coisas físicas, ou pelo menos às coisas que não são mais do que produto do homem... Dinheiro é poder? Não. Poder é desfrutar da natureza, sorrir a alguém e entender um olhar. Poder é entender sem sequer falar, compreender sem expressar ou sorrir sem contar uma piada. Poder é olhar no momento e perceber o que vai dentro de alguém, saber o que aqueles olhos significam e não acrescentar nenhum ponto final na vida.
Loucura não é partir para o Alasca sozinho, à face do filme mencionado. Loucura é permanecer e sustentar mentiras, obrigar as pessoas a viver em ilusões. Loucura é associar a fantasia à realidade e manter a farsa destinada.

Questões. Dúvidas. Medo.
Original. Mesmo quando não te aplaudem de pé numa cadeira, mesmo quando não te dizem aquele "epá, estiveste bem" ou mesmo quando nem sorriem à luz do teu trabalho, mantêm a coerência e a mentalidade fortes. Sê sobretudo diferente, porque vais marcar alguém por o seres, mesmo que demore tempo, mesmo que percas meses da tua paciência, sê diferente e mostra-o sem medos. Original é acreditar quando os outros desistiram e trabalhar quando parece que o trabalho está perfeito. É achar que não se atingiu ainda o nível, é ser perfeccionista.

Original é entender que às vezes não podes pressionar alto ou defender com todos. Original é não jogar demasiado ao ataque também, é saber onde podes ganhar o jogo, e por vezes dar espaço onde ele tem de ser dado, para depois poderes contra-atacar. Original é uma mensagem, uma despedida, um "olá". Original é a maneira como olhas para ela, original é o sorriso que tens para ela, original é mostrares-te autêntico no que dizes e coerente no que fazes. Original é criar dúvida e dar certezas. Original é ser feliz.

"A felicidade só é completa se for partilhada" Christopher McCandless, Magic Bus, Alaska, 1992.


terça-feira, fevereiro 05, 2013

Voo 505


21h (GMT+2/Em Lisboa:19h), Ben Gurion International Airport, Tel-Aviv, Israel


São mais duas horas em Tel-Aviv, e a noite entrava pela varanda do Aeroporto Internacional como que um imenso mar de escuridão. As luzes estavam acesas mas eu sentia-me sozinho no meio da penumbra.
O voo tinha sido confortável apesar de longo, e ainda faltavam cerca de 3 horas para chegar ao Dubai. E uma delas seria passado ali, na zona internacional, à espera de descolar para os Emirados. O avião era o mesmo, mas por questões de segurança e de encomendas transportadas no avião, era obrigatória a paragem em terras israelitas.
Não era um país que admirasse conhecer. Jerusalém, sim, fascinava-me, mas o resto de Israel parecia-me vulgar, cheio de caos e instabilidade política na questão palestiniana.
É claro que esta hora em Tel-Aviv serve só para eu introduzir o texto, porque acaba por ser uma hora em que praticamente não se passou nada e que me entretive a falar com um português que também ia para o Dubai por razões de trabalho. A vida não estava fácil em Portugal...

Dubai, Aeroporto Internacional, Emirados Arabes Unidos, 2h (GMT+4 Dubai)

Saí do avião com as pálpebras ligeiramente fechadas. O dia tinha sido intenso e apesar de saber que o fuso horário era diferente sentia-me pesado. O Hotel Al Manzil esperava por mim, segundo indicações do Gabriel, ao qual acabava de me telefonar depois de terem ido jantar ao centro de Praga. E eu ali!
As ruas do Dubai eram diferentes e sabia que aquela parte era a zona turística e habitacional mais cara e por isso mais vistosa. Havia muito brilho, mas também sabia que escondia muita pobreza.
O Hotel Al Manzil surgiu então e fiquei contente, porque pelo menos parecia-me decente, e bem grande, embora no Dubai todos os prédios sejam "gigantes".
A recepcionista, fez-me então o check-in e confirmou a reserva paga pelo Gabriel.
- Porque está o quarto marcado para duas pessoas?
- Não tinhamos singles, pedimos desculpa, mas fizemos um desconto para metade, como vê.
De facto era verdade, o quarto custava o dobro do que aquilo que tinha pago em transferência o Gabriel e por isso agradeci a generosidade.
Subi então ao piso número 45, e um dos mais altos. O quarto, o 457, era por ali e certamente iria ter um quarto bom, pois o espaço dos corredores era sem dúvida fantástico.
Abri a porta e estava tudo apagado, no entanto pareceu-me ver um vulto.
Acendi a luz e uma música começou a tocar. Admito que no primeiro momento depois do susto até pensei que fosse alguma recepção do hotel, mas um bilhete pousava na mesinha de entrada do quarto.
"Nem sempre estamos bem, e o jeito para escrever sempre foi teu, por isso resumo as palavras a esta música e ao que sinto. Na verdade não quero apagar a nossa história..."
Não podia ser... O Gabriel não me podia ter feito isto...
- Sim, sou eu...
A rapariga dos cabelos castanhos abria a porta da varanda e entrava. Estava bonita admito, mas isso não me passou pela cabeça...
- Tu estás doida? O Gabriel não tinha o direito de...
- O Gabriel fez aquilo porque também é meu amigo, e sim a Sofia também me ajudou.
- Mas tu não devias estar em Moscovo com elas?!
- Não. O meu lugar é aqui. E mais vale talvez ouvires aquilo que os The Script estão a dizer para perceberes o que sinto...
- Tu...
"... six degrees of separation.
First, you think the worst is a broken heart
What's gonna kill you is the second part
And the third, Is when your world splits down the middle
And fourth, you're gonna think that you fixed yourself
Fifth, you see 'em out with someone else
And the sixth, is when you admit that you may have fucked up a little"


- Ver-te abraçado à Bárbara não foi muito fácil...
- Pois, talvez pensasses nisso antes! Mas se queres saber não tenho nada com ela. Nem quero. É só uma boa amiga...
- Ela é boa pessoa, podias ser feliz com ela.
- Não gosto dela, e não percebo porque te estou a dar justificações.
Silêncio...
- Talvez porque ainda gostes de mim.
Senti-me anestesiado pela verdade. Não podia negar, mas não podia confirmar. Teria de me manter duro e frio relativamente aquilo. "Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiim"
- Bolas é a Sofia...
Atendi.
- Sim?
- Estou, então como estás?
- Achas bem isto? Sinceramente...
- Vai demorar?
- Ah?
- Sim, se vai demorar?
- Demorar? Só se for para apanhar o próximo voo.
- Não idiota. A perceberem que são feitos um para o outro?
Bolas.
- Eu não me posso esquecer disto só porque vocês querem. Achas que não me sinto magoado?
- Sim, mas já não estiveste do lado de lá?
- Sim...
- Então deixa de ser idiota.
Desligou.


- Desculpa.
- É dificil desculpar...
- Pois é, mas mesmo assim não custa eu tentar pedir de novo. Desculpa.
- "Love Hurts!"
- "but feel alive!"
- Canções...
- Sim, canções.

O silêncio foi império nessa madrugada. Não eu não queria desculpar, era teimoso, mas sabia que era grave, e não seria assim tão fácil. No entanto, na segunda noite, depois de me ter oferecido para dormir no sofá apercebi-me que ela estava acordada ainda às voltas na cama com os auscultadores postos.
Aproximei-me pé ante pé, e tirei os auscultadores, tapando-lhe o grito que soltou. Não queria acordar ninguém...
- O que fazes a esta hora de pé? Devias estar a dormir...
- Senti que eram horas...
- Horas?
- Sim... de mudar de faixa!

7 horas de Voo


505. Não é um código, é uma música. Arctic Monkeys, ou Macacos do Árctico em tons de brincadeira, Favourite Worst Nightmare, ou o Pior Pesadelo Favorito. Não faz muito sentido pois não?
Pois não. Mas as músicas dos Arctic fazem todo o sentido para quem as ouve, e por isso tiveram um reconhecimento internacional tão grande...

Era Verão, o tempo quente, a areia da praia, o som das ondas lá ao fundo. Estava de férias, depois dos meses dos exames e de um mês de trabalho por conta dos pais, no café lá do sítio, tinha juntado o dinheiro suficiente desde há uns 2 anos para fazer a tal viagem a Praga. É meio louco não é? Altas temperaturas, vontade de tomar banho e eu ia-me enfiar numa capital lá pelo centro da Europa a conhecer outro tipo de coisas. Mas o que eu não sabia era que Praga ia ficar bem mais longe do que eu pensava e ligeiramente mais quente...


Gare do Oriente, Lisboa, 8:05 (GMT), 19 Agosto.

O som dos Audioslave tocava nos meus ouvidos, enterrados pelos auscultadores que trazia comigo ligados ao telemóvel. Nada melhor para acordar depois da viagem imensa do Intercidades das 5 da manhã.
Tinha-o apanhado com vista a chegar cedo a Lisboa, pois o voo era só da parte da tarde, mas não queria perder muito tempo com as burocracias do sistema. A minha prima, que trabalha no Hospital de São José tinha aproveitado para vir comigo e ia agora até casa aos Olivais deixar as coisas para depois ir trabalhar...
- Apanhas o metro ali em baixo... Desces as escadas todas e logo encontras a estação. Depois sais no Aeroporto... Demora pouco, é rápida a viagem.
- Vou ver se não me perco na civilização- e sorri.
- Vê lá é se não ficas lá pelos Checos. Ou melhor as checas. Cuidem de vocês rapazes!
Falou no plural porque éramos 3 em viagem, visto que não me ia aventurar sozinho em Praga, arranjei companhia. 
- Sabes quem é que vai para Moscovo esta semana?
- Sei. A Sofia disse-me...
- E sabes quando vai?
Os olhares deles eram um pouco brilhantes demais para eu esperar coisa boa...
- Não...
- Hoje às 3.
Estavam a falar dela claro, mas eu não queria voltar a tocar nesse assunto, pois não via com bons olhos pensar nisso, visto que me ia trazer recordações do passado que estava encerrado, porque ela assim quis...
- Não percebo porque vamos falar disso Gabriel. Já sabes o que penso.
- Só não quis que depois te apanhassem de surpresa...
- Compreendo- disse secamente.
Dito isto, estávamos agora a apanhar o metro para o Aeroporto da Portela.
As horas passaram, almoçámos e passámos um bom resto de manhã, até à hora do check-in...
- Tiras-te os bilhetes?
- Claro, pensas que ando a brincar Zé?
- Acho bem.
Eles fizeram então o check-in, e encaminharam-se para o portão de embarque, esperando por mim. Mas notava que algo não estava bem naquelas caras.
- Daniel Matos, é o senhor?
- Sim, claro.
- Obrigado por viajar na Emirates Airlines, aguarda-lhe o AirbusA380, no voo 505.
Que estranho! Eu jurava que a Emirates não tinha voos europeus. Mas é claro que não podia ser...
- Desculpe... disse Emirates?
- Sim a Fly Emirates ou Emirates Airlines. O seu destino é o Dubai.
- Mas? Tem a certeza?
- Tenho claro, ora veja o seu bilhete. É a porta 8 por favor...
De facto estava no bilhete o destino, a companhia, a porta e tudo o mais, mas que raio de partida era aquela? Eles iam para a República Checa e eu ia para o Dubai, uma viagem que me ia custar mais, embora lá soubesse que as coisas me sairiam mais baratas. Eu tinha dado o dinheiro certo ao Gabriel e eu próprio tinha visto com eles as viagem para Praga!
- Que partida é esta? Vocês estão doidos?
- Acalma-te. Tu vais pegar esse avião e nós vamos para Praga...
- Ah?! Sozinho no Dubai? Nos Emirados? Vocês perderam completamente a noção?
Eles abriram um sorriso que quanto a mim só me irritou mais.
- Bem, não vais sozinho. O Ricardo vai para a Austrália ter com os pais emigrados e ele faz escala no Dubai...
- E vou visitar um país sozinho? O Dubai, os Emirados? Vocês perderam a cabeça...
- Vais. Nós quisemos oferecer o dinheiro a mais para poderes desfrutar do Dubai. Fizemos as contas e não foi assim tão caro, precisas de estar sozinho e conhecer pessoas novas também. Por isso escolhemos aqui um sitio para te divertires. Vais poupar imenso em comida e assim, que na "Checa" ia ser bem mais caro e claro que eu já te tinha pedido dinheiro a mais...
- Só vocês... Ok, eu aceito, embora não goste muito da ideia!
- Vai- e sorriram.

(Continua)

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Oitenta de Novo


O teu nome não começa em A, não termina em E e nem chega a ter um tom de vermelho, nem um feitio diferente na palavra. O teu nome não é diferente nem igual. É vulgar aos ouvidos dos outros, mas faz brilhar os meus olhos.
O meu nome não se confunde com o teu, não há nada aliás que se confunda contigo, que seja meu. Porque o que realmente se pode confundir, completa-se. E o teu nome completa-se com o meu no final de cada palavra, de cada frase. Certamente não vou ser o primeiro, se chegar a sê-lo, e até posso não ser o último, mas enquanto for eu o único, vou fazer com que a tua vida rime com alegria. Sim, vou fazer com que rime com a palavra melhor. E não, não vou deixar que essa palavra seja dor.
O teu nome não é melancólico nem tem tons de cinzento. O teu nome não é mais que isso: um nome. Mas não deixa de ser uma nota musical quando eu sei que nem estão a falar de ti. Não deixa de ser um acorde numa guitarra de uma música que estou a compor, ou uma palavra-chave neste texto que estou a escrever.

- Não. Não precisas de ir do oito ao oitenta por ela.

Por vezes decido fazer oito, porque não me pedem para fazer oitenta. Sim, nem sempre me esforço, nem consigo parecer natural uma conversa, mas garanto-te que ao zero nunca chega.

- Ah?


E estou a pensar ainda na maneira de fazer rimar o teu nome com o meu...



- Sim. Precisas apenas de separar o oitenta.

- Como assim?

- Oi, tenta!

O teu nome faz-me perguntas constantemente. E eu por vezes nem lhe respondo da maneira que queria, não que não fosse sincero, mas queria pintá-lo de outra cor. E consigo por vezes.
É verdade. E desculpa.
Eu faço textos em volta do teu nome, arrumo e desarrumo frases onde tu deixaste as palavras, e dou cor, aliás várias cores, ao teu nome. Só o quero tornar mais bonito e não o fazer cinzento como a maior parte dos que estão na lista telefónica ou gravados nas portas das pessoas. Porque o teu nome colorido é bem mais apetecível, como que um brinquedo que estava escondido.
O teu nome rima com Creep. Não! Não te estou a chamar verme! Eu refiro-me à parte da letra "You're so fucking special / I wish I was special". E também que se note que não me acho um verme, mas sinto e desejo isto quando penso que o teu nome deve rimar com o meu.
Acredita, que o meu maior defeito é talvez a timidez e o jogo seguro, não sair da zona de conforto, apesar de o ter de fazer o mais cedo possível. Ou então esperar que o teu nome se multiplique e de alguma forma rime com o meu no final deste texto.
Será que gostas mais do azul? Ou o verde? Não sei. Mas dou-lhe cor todos os dias, mesmo sem saberes. Espero que me desculpes e se a tinta não sair quando usas o diluente mais forte ou quando sais de dentro da banheira, só há uma razão. Pus o teu nome a rimar com o meu. E agora vamos escrever o futuro.