domingo, dezembro 16, 2012

Promises

Siena, 24 de Dezembro de 1998

Comecei por tirar o lenço de pano bordado pela minha avó do bolso, olhando-a de novo, procurando as palavras certas no horizonte.
Era véspera de Natal em Siena, e o ar estava afável, com um clima ligeiramente mais quente do que era esperado para a época, convidando as pessoas a ultimarem os preparativos para a ceia que ia decorrer mais tarde, quando o sol já se tiver posto para os lados de La Pieve. As pessoas corriam as ruas em busca dos últimos presentes, abrindo sorrisos, próprios da época que atravessavam, naquele clima tranquilo e de esperança.
No entanto, os bancos do jardim da Reggia di Caserta, património mundial declarado no ano antes pela UNESCO, pareciam ruir com tais frases, unidas como lanças afiadas ao coração, debatendo o muro de pedra que acabara de cair. Era preciso reconstrui-lo...
As lágrimas caiam pela face da rapariga dos cabelos castanhos, num oceano de incertezas. As mãos tremiam e pediam o conforto de outras mais fortes. E eu dei-lhe as minhas.
- Eu tenho medo.
A frase era cortante, o impulso e o desespero de quem está sozinho no meio de montanhas escuras da depressão, subindo passo a passo para um topo que julga existir mas que não vê há dias a fio. Era uma alpinista, escalando as mais dolorosas montanhas. Talvez a mais alta até ao momento.
Arranjei forças, olhei firme nos olhos dela, como pedras cintilantes, e disse:
- Vou estar aqui...
- Não posso... não sei o que te posso fazer... posso-te... magoar. Sempre preferi assim... Sem dramas, sem ninguém. Sozinha a conquistar o q se pode conquistar...
- Não.
Confesso que fui algo duro com ela. Talvez mais autoritário do que aquilo que alguma vez tinha sido naquela expressão. Mas eu não queria que ela o fizesse...
- Não posso...
- Magoar?
- Sim...
- Todos nós nos magoamos de vez em quando. Mas precisamos que alguém nos sare as feridas...
- Isso soa-me a usar-te... só porque passo a vida ferida.
Ela tinha medo. Medo de que a morte do pai, a única pessoa que a acompanhara estragasse tudo, porque sempre se revoltara contra a vida que levava, sozinha, enfrentando o mundo, sem o apoio de ninguém, tratando do pai, há anos internado no quarto 505 do hospital central...
Tinha medo de que eu tivesse de ouvir coisas que normalmente não diria, que não compreendesse ou fosse injusta comigo. Tinha medo que amar não chegasse, pois o amor era algo pouco usado na sua vida que se parecia mais com uma costela quebrada e que agora eu queria concertar. Revoltava-se com a vida que não conseguia ter, com o medo de chegar ao fim do mês sem pão na mesa e o orgulho não deixava que eu tomasse conta de muitas das suas despesas, que o meu trabalho poderiam pagar.
Não era um trabalho com um salário exorbitante, mas o trabalho de um técnico chegava para cobrir quem passava a vida a trabalhar dias a fio numa linha de produção...
Tomei então uma decisão. Não a deixaria voar, a rapariga dos cabelos castanhos...
- Isto... Isto soa-me a amor, se queres que seja sincero. Soa-me a querer esperar no quarto por ti todas as noites só para poder abraçar no fim do dia! Soa-me a querer estar contigo e prometo-te isso. Prometo-te que farei o possível para que sejas minimamente feliz!
- Tu não tens de...
- Tenho. Tenho de ser feliz.
- Mas podes ser sem mim! Eu não quero ser um estorvo na tua vida.
Certeza.
- Claro que posso...
Virou costas a chorar novamente e cruzou o pequeno lago. Assim seria mais fácil...
- Mas não faria sentido um motor sem as suas peças principais.
Ela parou, virou-se e finalmente olhou-me com outros olhos...
- É difícil ir a pé, quando temos um automóvel topo de gama...
E sorriu, ainda tristemente, completando:
- E se nos deixássemos de metáforas automobilísticas? Acho que um café no Plaza soava-me melhor.
- Só se deixares as lágrimas cá fora, porque eu gosto do café forte.
E deu-lhe a mão.

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