Antes d' "A Cabra" dar as doze badaladas, há um recanto escondido (ou vários talvez) desta cidade onde o verde escuro se confunde com as figuras da noite. A tampa abre-se e algumas mãos vasculham no meio do que centenas desperdiçaram. Choca-nos a dimensão e o crescimento do número de mãos, noite para noite, dia para dia, como um exército de homens sem armas, que não podem mais lutar. Muitos deles seguiram outros rumos, ou pelo menos tentaram. E multiplicam-se.
Justificam-nos com os actos que cometem, alguns falam em crise, outros em falta de dignidade, orgulho ferido, maus momentos passados, drogas. Falam-nos de tudo e nem nos dizem a verdade, porque na verdade eles são o espelho da nossa humanidade.
Sim, são eles que tornam a cidade selvagem, onde a caça se confunde com o caçador, onde o tranquilo vira caos, o responsável em descontrolado, a sabedoria em insensatez e a verdade em rol de mentiras. É o caos social, o exército verde e cinzento que avança entre as ruas da cidade.
Aos poucos eles reerguem-se, investem tudo o que encontram em coisas que jamais conseguiríamos imaginar, na mais profunda das loucuras. Vale tudo para sobreviver, e aqui impera secretamente a lei do mais forte, porque ninguém se preocupa com estes caos. Injusto, talvez algumas associações que dão de comer a quem mais necessita... mas a vida, essa, perde-se a cada segundo...
Chamamos por nomes que não sabemos, se calhar por pessoas que já conhecemos, até familiares que estão por ali caídos, no meio de injecções ilícitas ou restos daquilo que chamamos lixo, ao qual eles, por vezes, chamam pão. E eles são esquecidos e vulgarizados, porque de dia se escondem os seus rostos repletos de vergonha, ou porque apenas nós não ligamos ou não os procuramos com os olhos pela rua, indiferentes à miséria humana. Somos soldados também nós, como eles, mas lutamos com armas diferentes, sustentando um medo diferente de quem pouco ou nada faz diferença em estar vivo, tantas e tantas vezes.
Falta-nos coragem de abraçar, ou de partilhar um sorriso. Falta-nos coragem para lutar. Também lhes falta a eles, mas vão buscá-la para sobreviverem. Falta-nos coragem para protestar.
Afinal de quem é a culpa do erguer deste exército silencioso? Falemos de crise, dos maus gestores do estado que temos em Portugal. Falemos de Justiça, de falta de verdade económica e financeira. Somos lixo, e manipuláveis nas mãos de quem tem a força. Eles dominam-nos, eles programam-nos em frente das TV's, nos boletins de voto. Eles assaltam-nos todos os meses, todos os anos, os bolsos, a dignidade.
Quando o que eles deviam fazer era perceber que os gastos e os erros deles levaram-nos a isto...
Porque um dia, o exército ergue-se, e o mar espalhado trará algo impensável, algo verdadeiramente dramático a que damos um nome: CAOS SOCIAL.
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