domingo, março 16, 2014

O Vendedor de Sonhos



Nasci a uma Quinta-Feira.

Podia começar assim todas as minhas histórias, no dia 26 de Agosto de 93, pois desde aí começaram os choros, os risos, as brincadeiras, os afectos, as palavras, os caminhos, as mochilas, as bolas de futebol, os livros, os carros. Em resumo, os sonhos.
Mas a história que vos conto não é minha. Não é minha, nem me quero apropriar dela, mas como mais ninguém parece indicado, vou contá-la.

"Chamei-a. A voz que nem parecia minha, rouca e pouco clara entoava a um ritmo lento como que um doente no seu leito, a recuperar de uma grave pneumonia. Tomei um pouco do copo de água que estava sobre a mesa e voltei, numa voz bastante mais própria, a dizer.
- Ouve-me.
Os passos largos lá fora dos estudantes, que não medem os dias que passam mas que contam os minutos para que a aula passe e que as noites da própria quinta-feira cheguem, confundiam-se com o choro indescritível que vinha do quarto.
O silêncio era interrompido em enxurradas de pequenos gritos, suspiros e uma linguagem de quem não queria cair na realidade dos acontecimentos.
- Já me disseste isso.

Retirei os lençóis ainda meio ensonado como um pássaro leve que desperta do sonho. Nada como um bom estalo na cara para me acordar naquela manhã quente de fim de Maio. Levantei-me, procurei o telemóvel e vi a mensagem que me gritava da noite anterior como que uma chama intensa.
Abri ligeiramente a janela com o estalido típico da casa velha, com portadas de madeira e vidros quebradiços. Cheirava claramente a Verão na calçada da rua lá em baixo, e o emaranhado de gente que não respeitava os paralelepípedos que assentavam no chão, calcando aquilo que pareciam ser restos de uma obra da câmara municipal.
Lá em baixo, junto ao chorão plantado, estava um senhor que não morava na minha rua. Quando digo isto, é porque nunca tinha reparado nele, apesar de a sua presença me ser familiar...

Voltei ao meu mundo, e o choro que entoava pela casa tinha abrandado. Não ter as palavras certas para os momentos certos custa, e a dificuldade que tinha naquele momento em confortá-la era enorme. Resumia-me a silêncios a espaços e a abraços longos.
Mas algo mais forte do que eu pegou na mão dela e disse:
- Vamos procurar sonhos.
Ela não entendeu, e no meio de todo o emaranhado de cabelos e soluços disse-me:
- Não sejas tonto.
De novo puxei-a com firmeza, como que numa intuição maciça de quem pressente a solução para o final do enigma e levei-a pelas escadas até à rua. O rio estava sereno, calmo e sem grandes brisas que nos pudessem arrepiar. Apenas os passos das gentes que por ali andavam e as suas conversas serviam como pano de fundo.
E então dirigi-me ao senhor que avistara pela janela e reparei entretanto que estava junto a um desses carros de mão com balões para vender. Por momentos julguei-me louco, mas estava convicto.
- Vejo que me procura - disse o velho.
Será que me teria visto pela janela?
- Escusa de fazer essa cara. Eu sei quem me procura.
Se aquilo já não estava a ser suficientemente estranho para sair dali, então é porque tinha mesmo acertado na previsão. Resolvi então perguntar:
- O que faz o senhor?
- Acho que você já sabe.
- Balões?
O velho olhou-me com um ar de repreensão.
- Acha mesmo?
- Parece-me óbvio.
O olhar enigmático fixava-se em mim e então olhei para ela. Estava ligeiramente menos pálida e parecia estar a apreciar a cena.
- Vendo sonhos.
O nosso olhar foi indescritível, e poderá o leitor estar a imaginar a minha cabeça a processar aquela informação. De novo achei que estava maluco por estar ainda a ouvir aquele velho de aspecto estranho e ela parecia também incrédula.
- Dê-me um balão.
O velho abanou a cabeça.
- Podes comprar 50 balões, mas os sonhos não tem preço. Conquistam-se.
- O que quer dizer com...
- Estás a ver aquela ponte?
A ponte sobre o rio ligava as margens da cidade no final do parque.
- Sim.
- Então repara naquele grande placard que a Câmara lá pôs. Diz o custo da obra e aquilo que foi usado para construir a ponte... Afinal aquilo é só um pedaço de betão com outros materiais que deram uma ponte.
- Onde quer chegar com isso?
De facto. O que estava para ali o velho a dizer?
- Achas mesmo que é isto que interessa?
O velho entregou-me um balão e perante o meu olhar inquiridor disse:
- Quem é que construiu a ponte?
- O Arquitecto João de Sou...
O velho interrompeu:
- Errado!
- Mas é o que diz no...
- Quem é que assentou os paralelos nesta calçada? Quem é que construiu os alicerces por esta cidade toda? Eu digo-te meu rapaz. Foram pessoas sem nome, mas a historia é ingrata e refere apenas os que estão no topo da pirâmide. Mas o esforço é de um sonho comum, e o esforço foi deles. É por isso que tens de entender...
- Entender?
- Que não podes deixar que ninguém tenha mais esforço do que tu para alcançar o teu próprio sonho. Não podes deixar que isso aconteça. Nem podes deixar que essas pessoas que te ajudaram a construir esse sonho, como estes teimam em fazê-lo.
E voltei de novo a olhar a ponte com ela.
- Vamos até ao rio, se o senhor não se importar.
Mas quando olhei, o velho tinha desaparecido. Nem sinal dele havia na rua...

Caminhámos até à ponte pedonal que ligava os dois lados do parque. Começava a perceber o significado das palavras do velho. Tanto para mim como para ela.
- Acho que começo a entender...
- Talvez ele queira que...
E o choro voltou de novo, mas na certeza que as memórias iriam ser lembradas e os sonhos a prioridade das nossas vidas. Tentei sorrir-lhe, mas apenas o abraço cobriu tudo aquilo que parecia agora dissipar-se, e o ar voltou a ficar mais leve. Apenas como peso da memória de quem partiu.
E no horizonte, uns tantos balões, como que estrelas ao por do sol, para nos lembrar que mesmo quem partiu, também veio colorir a nossa vida."


Os meus sonhos são feitos de novelos de lã enrolados num fino jogo de sentidos onde brotam os meus desejos Os meus sonhos têm um travo a canela e um cheiro a hortelã misturados num pedaço de ambição. Os meus sonhos tem sorrisos, mas também tem dores no sítio onde ninguém sabe que dói. Os meus sonhos são castelos, que no seu esplendor parecem perdidos e abandonados, mas com imensa vida que lá cresce.
Os meus sonhos são escadas altas que não acabam. São luzes fortes no meio de uma treva imensa. Os meus sonhos são somente isto:  Esperança

sábado, março 08, 2014

A Formula de Deus: entre a Ciência e a Fé


“Yehi or!”. Faça-se luz.

Não há ninguém que nunca tenha perguntado o porquê. A dúvida, o propósito, as incertezas, as somas da criação. Qual o motivo que nos faz estar neste universo imenso? Entre crenças, Fé, Religião e teorias, avançamos agora para uma ideia que se começa a difundir. Antes, a igreja poderia distanciar-se da ciência, hoje parece aproximar-se. A religião confunde-se, hoje, com a espiral do universo na ânsia de explicar completamente as suas fases. Só lhe dão nomes diferentes: há quem chame Big Bang, Big Crunch, Big Freeze, Universos Rotativos. E há ainda quem prefira optar pela Dança de Shiva, o Dharma ou os Dias da Criação. Parece-lhe ridículo confundir religião com ciência? Não me parece, caro leitor…
É necessário que tudo o que se entenda por religião tenha de ser lido como uma metáfora e não por aquilo que realmente está escrito (ou o leitor acredita que lá no alto está um senhor de barbas brancas a olhar por e para nós?). O que me faz acreditar em Deus é exatamente um véu que não se consegue levantar pela linguagem matemática. Esse Deus é a união das forças universais, as somas exatas, o propósito de estarmos aqui. É o Deus que programou o Big Bang de tal maneira única que foi possível gerar vida, apesar das baixas probabilidades pelas infinitas combinações de números. E deram mesmo certo!
É impensável acreditar que a Bíblia nos diga exatamente como o mundo foi criado, até porque todos nós aceitamos que a nossa existência se deve aos primatas e a uma evolução constante da vida na Terra. Pois, ao que parece os “Dias da Criação” dizem mais do que à primeira vista nos fazem crer.
O que se tem de entender aqui, para já, é que a noção temporal não foi sempre como hoje a conhecemos, tendo existido uma aceleração num fator proporcional à expansão do universo, fato que é confirmado pela medição das ondas de luz primordiais. Ora, analisando essa proporção e os acontecimentos da Bíblia, estranhamente, as coisas batem certo!
O universo é estimado entre 10 mil milhões de anos e 20 mil milhões de anos de existência. As notícias e os dados mais recentemente fornecidos pela NASA apontam estimativas entre 14 mil milhões e 16 mil milhões… Sendo assim, e analisando os tais “Dias da Criação”, poderíamos dizer que o primeiro dia teria um valor de 8 mil milhões de anos, sendo o segundo de 4 mil milhões de anos, o terceiro com 2 mil milhões de anos, o quarto com mil milhões de anos, o quinto com 500 milhões de anos e o sexto com 250 milhões de anos. Quanto dá tudo junto? 15 mil milhões de anos! Justamente o intervalo dos valores da NASA! Coincidência curiosa? Talvez. Mas há mais…
O primeiro dia da Bíblia é descrito como a criação da luz, do céu e da terra. Ora como sabemos foi nesse tempo (entre os 15,7 e os 7,7 mil milhões de anos) que ocorreu o Big Bang e a matéria foi formada. Isto é básico. Acontece que o segundo dia bíblico (entre 7,7 a 3,7 mil milhões de anos) fala-nos na criação do firmamento. Justamente nesta altura formou-se a nossa galáxia e o Sol, basicamente tudo o que é visível da Terra.
Continuando… O terceiro dia bíblico (3,7 a 1,7 mil milhões de anos) fala da formação da terra, do mar e das plantas. Os dados científicos comprovam o arrefecimento, a aparição de água líquida e surgiram imediatamente plantas e bactérias marinhas, inclusivamente algas. E chegamos nós, na nossa pequena viagem, ao quarto dia (1,7 mil milhões a 750 milhões de anos). Estranho como a Bíblia refere que apareceram luzes no firmamento, ou seja, o Sol, a Lua e as estrelas. Mas afinal, esta podemos refutar! Não tínhamos concluído que tinham sido formadas no segundo dia? E é aqui que temos de nos focar como a Bíblia e a Ciência são minuciosas. De fato, a sua formação foi no segundo dia, mas só ao quarto foi possível ver isto. Isto porquê? Só então é que a atmosfera se tornou transparente, deixando ver o céu e dando início à fotossíntese e ao lançamento de O2 para a atmosfera.
 Avancemos, pois, para o quinto dia bíblico (750 a 250 milhões de anos) no qual nos são anunciados os povoamentos por animais, tanto nos céus e na terra como no mar. Os dados biológicos e geológicos confirmam estas datas através do aparecimento dos primeiros animais multicelulares, vida marinha mais complexa e primeiros animais voadores.
E a viagem termina assim, no sexto dia bíblico, quando “Deus” especifica os animais em répteis, animais domésticos e animais ferozes. E mais à frente ainda acrescenta: “façamos o homem”. De novo colocamos em causa: então, mas os animais já não foram criados? É verdade. Mas não estes animais. Ou seja, há cerca de 250 milhões de anos aconteceu a grande extinção, a maior de sempre (sem que haja ainda motivo totalmente determinado) e quando há a referência a répteis, sugere-se aqui os dinossauros e por último o topo da evolução: o homem.
Poderá tudo ser uma imensa coincidência, é certo (até porque eu não vejo a Bíblia como uma verdade absoluta, mas sim um conjunto de valores a preservar). Mas tudo isto leva-nos para um plano de pensamento e de questões mais profundas sobre as quais me poderia alongar por muito mais do que este texto. Sendo assim, surgem-me algumas questões que vos deixo para pensar: E se tudo tiver um propósito? E se Deus existe, como forma de consciência superior ao qual nós apenas somos parte do seu “corpo” que se chama Universo? Seremos nós os seus neurónios? O que sabemos nós sobre a vida? Acabará tudo num Big Crunch, na dança de Shiva? Ou tornar-se-á tudo tão frio que teremos um Universo congelado e inerte?
E as mais profundas das questões: será a robótica a nova fase da evolução? E se tudo estiver programado para a morte deste universo e o início de outro?

* Texto baseado no livro “A Fórmula de Deus” de José Rodrigues dos Santos.