Nasci a uma Quinta-Feira.
Podia começar assim todas as minhas histórias, no dia 26 de Agosto de 93, pois desde aí começaram os choros, os risos, as brincadeiras, os afectos, as palavras, os caminhos, as mochilas, as bolas de futebol, os livros, os carros. Em resumo, os sonhos.
Mas a história que vos conto não é minha. Não é minha, nem me quero apropriar dela, mas como mais ninguém parece indicado, vou contá-la.
"Chamei-a. A voz que nem parecia minha, rouca e pouco clara entoava a um ritmo lento como que um doente no seu leito, a recuperar de uma grave pneumonia. Tomei um pouco do copo de água que estava sobre a mesa e voltei, numa voz bastante mais própria, a dizer.
- Ouve-me.
Os passos largos lá fora dos estudantes, que não medem os dias que passam mas que contam os minutos para que a aula passe e que as noites da própria quinta-feira cheguem, confundiam-se com o choro indescritível que vinha do quarto.
O silêncio era interrompido em enxurradas de pequenos gritos, suspiros e uma linguagem de quem não queria cair na realidade dos acontecimentos.
O silêncio era interrompido em enxurradas de pequenos gritos, suspiros e uma linguagem de quem não queria cair na realidade dos acontecimentos.
- Já me disseste isso.
Retirei os lençóis ainda meio ensonado como um pássaro leve que desperta do sonho. Nada como um bom estalo na cara para me acordar naquela manhã quente de fim de Maio. Levantei-me, procurei o telemóvel e vi a mensagem que me gritava da noite anterior como que uma chama intensa.
Abri ligeiramente a janela com o estalido típico da casa velha, com portadas de madeira e vidros quebradiços. Cheirava claramente a Verão na calçada da rua lá em baixo, e o emaranhado de gente que não respeitava os paralelepípedos que assentavam no chão, calcando aquilo que pareciam ser restos de uma obra da câmara municipal.
Lá em baixo, junto ao chorão plantado, estava um senhor que não morava na minha rua. Quando digo isto, é porque nunca tinha reparado nele, apesar de a sua presença me ser familiar...
Voltei ao meu mundo, e o choro que entoava pela casa tinha abrandado. Não ter as palavras certas para os momentos certos custa, e a dificuldade que tinha naquele momento em confortá-la era enorme. Resumia-me a silêncios a espaços e a abraços longos.
Mas algo mais forte do que eu pegou na mão dela e disse:
- Vamos procurar sonhos.
Ela não entendeu, e no meio de todo o emaranhado de cabelos e soluços disse-me:
- Não sejas tonto.
De novo puxei-a com firmeza, como que numa intuição maciça de quem pressente a solução para o final do enigma e levei-a pelas escadas até à rua. O rio estava sereno, calmo e sem grandes brisas que nos pudessem arrepiar. Apenas os passos das gentes que por ali andavam e as suas conversas serviam como pano de fundo.
E então dirigi-me ao senhor que avistara pela janela e reparei entretanto que estava junto a um desses carros de mão com balões para vender. Por momentos julguei-me louco, mas estava convicto.
- Vejo que me procura - disse o velho.
Será que me teria visto pela janela?
- Escusa de fazer essa cara. Eu sei quem me procura.
Se aquilo já não estava a ser suficientemente estranho para sair dali, então é porque tinha mesmo acertado na previsão. Resolvi então perguntar:
- O que faz o senhor?
- Acho que você já sabe.
- Balões?
O velho olhou-me com um ar de repreensão.
- Acha mesmo?
- Parece-me óbvio.
O olhar enigmático fixava-se em mim e então olhei para ela. Estava ligeiramente menos pálida e parecia estar a apreciar a cena.
- Vendo sonhos.
O nosso olhar foi indescritível, e poderá o leitor estar a imaginar a minha cabeça a processar aquela informação. De novo achei que estava maluco por estar ainda a ouvir aquele velho de aspecto estranho e ela parecia também incrédula.
- Dê-me um balão.
O velho abanou a cabeça.
- Podes comprar 50 balões, mas os sonhos não tem preço. Conquistam-se.
- O que quer dizer com...
- Estás a ver aquela ponte?
A ponte sobre o rio ligava as margens da cidade no final do parque.
- Sim.
- Então repara naquele grande placard que a Câmara lá pôs. Diz o custo da obra e aquilo que foi usado para construir a ponte... Afinal aquilo é só um pedaço de betão com outros materiais que deram uma ponte.
- Onde quer chegar com isso?
De facto. O que estava para ali o velho a dizer?
- Achas mesmo que é isto que interessa?
O velho entregou-me um balão e perante o meu olhar inquiridor disse:
- Quem é que construiu a ponte?
- O Arquitecto João de Sou...
O velho interrompeu:
- Errado!
- Mas é o que diz no...
- Quem é que assentou os paralelos nesta calçada? Quem é que construiu os alicerces por esta cidade toda? Eu digo-te meu rapaz. Foram pessoas sem nome, mas a historia é ingrata e refere apenas os que estão no topo da pirâmide. Mas o esforço é de um sonho comum, e o esforço foi deles. É por isso que tens de entender...
- Entender?
- Que não podes deixar que ninguém tenha mais esforço do que tu para alcançar o teu próprio sonho. Não podes deixar que isso aconteça. Nem podes deixar que essas pessoas que te ajudaram a construir esse sonho, como estes teimam em fazê-lo.
E voltei de novo a olhar a ponte com ela.
- Vamos até ao rio, se o senhor não se importar.
Mas quando olhei, o velho tinha desaparecido. Nem sinal dele havia na rua...
Caminhámos até à ponte pedonal que ligava os dois lados do parque. Começava a perceber o significado das palavras do velho. Tanto para mim como para ela.
- Acho que começo a entender...
- Talvez ele queira que...
E o choro voltou de novo, mas na certeza que as memórias iriam ser lembradas e os sonhos a prioridade das nossas vidas. Tentei sorrir-lhe, mas apenas o abraço cobriu tudo aquilo que parecia agora dissipar-se, e o ar voltou a ficar mais leve. Apenas como peso da memória de quem partiu.
E no horizonte, uns tantos balões, como que estrelas ao por do sol, para nos lembrar que mesmo quem partiu, também veio colorir a nossa vida."
Retirei os lençóis ainda meio ensonado como um pássaro leve que desperta do sonho. Nada como um bom estalo na cara para me acordar naquela manhã quente de fim de Maio. Levantei-me, procurei o telemóvel e vi a mensagem que me gritava da noite anterior como que uma chama intensa.
Abri ligeiramente a janela com o estalido típico da casa velha, com portadas de madeira e vidros quebradiços. Cheirava claramente a Verão na calçada da rua lá em baixo, e o emaranhado de gente que não respeitava os paralelepípedos que assentavam no chão, calcando aquilo que pareciam ser restos de uma obra da câmara municipal.
Lá em baixo, junto ao chorão plantado, estava um senhor que não morava na minha rua. Quando digo isto, é porque nunca tinha reparado nele, apesar de a sua presença me ser familiar...
Voltei ao meu mundo, e o choro que entoava pela casa tinha abrandado. Não ter as palavras certas para os momentos certos custa, e a dificuldade que tinha naquele momento em confortá-la era enorme. Resumia-me a silêncios a espaços e a abraços longos.
Mas algo mais forte do que eu pegou na mão dela e disse:
- Vamos procurar sonhos.
Ela não entendeu, e no meio de todo o emaranhado de cabelos e soluços disse-me:
- Não sejas tonto.
De novo puxei-a com firmeza, como que numa intuição maciça de quem pressente a solução para o final do enigma e levei-a pelas escadas até à rua. O rio estava sereno, calmo e sem grandes brisas que nos pudessem arrepiar. Apenas os passos das gentes que por ali andavam e as suas conversas serviam como pano de fundo.
E então dirigi-me ao senhor que avistara pela janela e reparei entretanto que estava junto a um desses carros de mão com balões para vender. Por momentos julguei-me louco, mas estava convicto.
- Vejo que me procura - disse o velho.
Será que me teria visto pela janela?
- Escusa de fazer essa cara. Eu sei quem me procura.
Se aquilo já não estava a ser suficientemente estranho para sair dali, então é porque tinha mesmo acertado na previsão. Resolvi então perguntar:
- O que faz o senhor?
- Acho que você já sabe.
- Balões?
O velho olhou-me com um ar de repreensão.
- Acha mesmo?
- Parece-me óbvio.
O olhar enigmático fixava-se em mim e então olhei para ela. Estava ligeiramente menos pálida e parecia estar a apreciar a cena.
- Vendo sonhos.
O nosso olhar foi indescritível, e poderá o leitor estar a imaginar a minha cabeça a processar aquela informação. De novo achei que estava maluco por estar ainda a ouvir aquele velho de aspecto estranho e ela parecia também incrédula.
- Dê-me um balão.
O velho abanou a cabeça.
- Podes comprar 50 balões, mas os sonhos não tem preço. Conquistam-se.
- O que quer dizer com...
- Estás a ver aquela ponte?
A ponte sobre o rio ligava as margens da cidade no final do parque.
- Sim.
- Então repara naquele grande placard que a Câmara lá pôs. Diz o custo da obra e aquilo que foi usado para construir a ponte... Afinal aquilo é só um pedaço de betão com outros materiais que deram uma ponte.
- Onde quer chegar com isso?
De facto. O que estava para ali o velho a dizer?
- Achas mesmo que é isto que interessa?
O velho entregou-me um balão e perante o meu olhar inquiridor disse:
- Quem é que construiu a ponte?
- O Arquitecto João de Sou...
O velho interrompeu:
- Errado!
- Mas é o que diz no...
- Quem é que assentou os paralelos nesta calçada? Quem é que construiu os alicerces por esta cidade toda? Eu digo-te meu rapaz. Foram pessoas sem nome, mas a historia é ingrata e refere apenas os que estão no topo da pirâmide. Mas o esforço é de um sonho comum, e o esforço foi deles. É por isso que tens de entender...
- Entender?
- Que não podes deixar que ninguém tenha mais esforço do que tu para alcançar o teu próprio sonho. Não podes deixar que isso aconteça. Nem podes deixar que essas pessoas que te ajudaram a construir esse sonho, como estes teimam em fazê-lo.
E voltei de novo a olhar a ponte com ela.
- Vamos até ao rio, se o senhor não se importar.
Mas quando olhei, o velho tinha desaparecido. Nem sinal dele havia na rua...
Caminhámos até à ponte pedonal que ligava os dois lados do parque. Começava a perceber o significado das palavras do velho. Tanto para mim como para ela.
- Acho que começo a entender...
- Talvez ele queira que...
E o choro voltou de novo, mas na certeza que as memórias iriam ser lembradas e os sonhos a prioridade das nossas vidas. Tentei sorrir-lhe, mas apenas o abraço cobriu tudo aquilo que parecia agora dissipar-se, e o ar voltou a ficar mais leve. Apenas como peso da memória de quem partiu.
E no horizonte, uns tantos balões, como que estrelas ao por do sol, para nos lembrar que mesmo quem partiu, também veio colorir a nossa vida."
Os meus sonhos são feitos de novelos de lã enrolados num fino jogo de sentidos onde brotam os meus desejos Os meus sonhos têm um travo a canela e um cheiro a hortelã misturados num pedaço de ambição. Os meus sonhos tem sorrisos, mas também tem dores no sítio onde ninguém sabe que dói. Os meus sonhos são castelos, que no seu esplendor parecem perdidos e abandonados, mas com imensa vida que lá cresce.
Os meus sonhos são escadas altas que não acabam. São luzes fortes no meio de uma treva imensa. Os meus sonhos são somente isto: Esperança
Os meus sonhos são escadas altas que não acabam. São luzes fortes no meio de uma treva imensa. Os meus sonhos são somente isto: Esperança