sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Quantos dias tem Fevereiro?


Todos os dias cruzava-me contigo.
Ninguém no corredor sabia o que diziam as órbitas que sorriam na tua face e nem sequer poderiam supor aquilo que a intranquilidade dos teus gestos reflectia sobre ti. Talvez nem eu soubesse.
Poderia eu encontrar 10 vezes alguém em diferentes realidades na minha vida e mesmo assim não perceber a maneira como a chuva cai na calçada da minha rua. Nem sequer saberia encontrar a proximidade de uma voz ou a janela de uma casa. Nem sequer o cheiro vindo da cozinha da vizinha de baixo, quando faz aquele bolo de nozes gigantesco aos domingos para os netos.
Porque eu não sabia grande coisa sobre isto. Ou melhor, ainda não me tinha apercebido.
Os dias passavam como o vento descontrolado das tempestades de Inverno. E a chuva caía cada vez com mais força, parecendo querer perfurar as estradas de alcatrão. E o cheiro do orvalho pela manhã...
E então, mais uma vez, o olhar voltou. Voltou com uma nova expressão, mais leve, mas mais certa, sobre o castanho avelã. Um olhar novo, mais brilhante.
"Quantos dias tem Fevereiro?"
Perguntava-me isto num domingo à tarde, chuvoso e cinzento, sobre a lareira enquanto eu dedilhava umas notas na guitarra acústica que estava normalmente encostada na lateral da sala.
"28"
Respondi com um tom normal embora tentando perceber onde a conversa nos levava. A expressão dela alterou-se como quem é apanhado desprevenido por uma chuvada de Abril. E então abriu os lábios e perguntou de novo.
"Quantos dias tem este ano?"
Mas o que era aquilo? A pergunta tinha alguma rasteira, e certamente podia-me por em apuros caso não conseguisse entender exactamente a direcção da conversa.
"365, porquê?"
O olhar dela indignou-se e até o ar parecia ter ficado num clima de incerteza.
"Não entendo"
Vinha aí dúvida, incerteza ou qualquer espécie de pergunta fundamental, daquelas bem femininas que nos deixam sem resposta ou com uma tremenda dificuldade de lidar com a preocupação dela.
"O que é que tu não entendes?"
Perguntei a medo, embora me esforça-se para dar confiança à pergunta.
"O dia de hoje"
Olhei o calendário em cima da mesinha junto à televisão e verifiquei que era dia 14. O cliché habitual do dia de S. Valentim tinha invadido as publicidades, as televisões e a cabeça das pessoas.
Trocámos olhares e ela sorriu. A unicidade daquele gesto era uma imagem igual na cabeça dos dois, pois reflectia a ideia comum que o dia de hoje não era motivo de festejo, pois a importância de um amor como aquele não ficaria incomensuravelmente reduzido aquele dia. Porque, embora a palavra doa a muito boa gente, eu queria mesmo que fosse eterno. Olhei-a de novo.
"Supérfluo"
Ela fitou de novo as chamas e escutou o silêncio por entre as pingas que caiam a grande quantidade lá fora, como que um estalar de um ramo num pinhal. Voltou-se e fixou-se nos meus olhos.
"Ainda bem que te conheci"
O batimento tornou-se mais rápido e os meus braços abraçaram o tronco dela. Não importavam grandes coisas na vida, mas apenas aqueles momentos, o "ser feliz com pouco". Cheguei-me ao ouvido dela e sussurrei.
"Não sei quantos dias passaste a olhar o chão mas, certamente, são menos do que aqueles que vamos contar as estrelas do céu"
Felicidade.

domingo, fevereiro 09, 2014

Um "E" que parece ser de Estatística


Jovem, tens ambições de entrar no Ensino Superior mas ainda não concluíste o 12º Ano? Acabaste já o 11º ano e procuras uma maneira de entrar sem exames? É fácil: o Ministério da Educação e da Ciência dá-te a possibilidade de obter um curso de nível 5 com equivalência ao 12º ano e parecido com as licenciaturas. E, claro, poderás concluí-lo em apenas 2 anos com a possibilidade de te serem concedidas equivalências no Instituto Politécnico que frequentas, através de um Concurso Especial, criado especialmente para o efeito.
“...o Ministério da Educação e da Ciência dá-te a possibilidade de obter um curso de nível 5 com equivalência ao 12º ano e parecido com as licenciaturas”
José Mourinho voltou a Inglaterra no ano em que Crato decidiu também ser “Especial”. A sua profunda tentativa de atribuir Concursos Especiais de Acesso a tudo o que são possíveis futuros alunos do Ensino Superior não fica nada atrás das estratégias do “Special One”. Vai-se esquecendo é que as vagas especiais têm um teto máximo, ou seja, apenas uma baixa percentagem de alunos é que poderá aceder por meio destes concursos…
Depois da tinta que vai correndo sobre ondas gigantes, praxes mirabolantes e outra atrações que o senhor ministro e o governo nos vão proporcionando, eis que surge um assunto verdadeiramente importante para os Politécnicos do País. No entanto, a tutela prefere chamar os alunos e os institutos de educação para discutir praxe.
Apregoando que “luta por um Ensino cada vez melhor”, o governo dirige-se agora para a total descredibilização do Ensino Superior Politécnico que, para além dos cursos acima referidos, pretende que cursos profissionais possam ser dados em conjunto com os próprios politécnicos (entrevista à Antena 1 a 18/01/14), dando a entender que pretende, entre vários objetivos, preencher horários de professores com pouco tempo letivo, criar cursos para dar impulso a determinadas regiões e, também, pela falta de quadros de nível 5 no país.
“...as associações empresariais de vários pontos do país (…) não precisam destes cursos.”
É bonito tudo isto, não é? Não fosse um absoluto estado caótico de objetivos irreais. Os cursos possíveis que o Ministério pretende adotar não têm qualquer estudo de mercado; as associações empresariais de vários pontos do país (por exemplo, de todo o Norte de Portugal) afirmaram, após o Instituto Politécnico do Porto as ter auscultado, que não precisam destes cursos.
E por falar em trabalho: caso uma empresa possa contratar pessoas com um grau mais baixo (que tenham frequentado estes cursos) em vez de licenciados a quem, por norma, têm de pagar mais, qual será a opção da empresa, ainda mais num momento de crise que nós vivemos? Parece simples, não parece? E nós vamos deixar que isto aconteça?
“...caso uma empresa possa contratar pessoas com um grau mais baixo (…) em vez de licenciados a quem, por norma, têm de pagar mais, qual será a opção da empresa (…)?”
Além disto, parecem ser evidentes dois interesses inerentes aos politécnicos: o de captar alunos (por cada aluno, o estado atribui um valor) e o fator estatístico (este mais do interesse da tutela) que se resume ao aumento do número de licenciados no Ensino Superior.
Num contexto em que o Ensino Superior Politécnico compete por ministrar Doutoramentos ditos “Profissionalizantes”, a ideia de integrar estes “short cycles” (que tem um nome pomposo e parecido ao atribuído aos licenciados) e dos Cursos de caráter Profissional, vai assim contribuir para uma descredibilização do Ensino Superior Politécnico, que mais uma vez nos deixa a nós, estudantes que pertencemos a este quadro, num profundo sentimento de incapacidade por não termos uma opinião audível. 
É por isso que Crato tem sido anunciado como o próximo gestor de marketing de várias cadeias de Supermercados, porque consegue, além de dar “promoções”, uma subida incrível no número dos “lucros”. É dececionante que as pessoas olhem para Cristiano Ronaldo como um ídolo e esqueçam o nosso Ministro da Educação e da Ciência, que tem uma performance incrivelmente melhor que o CR7!
Mas o que me parece incrível é que, num país como Portugal, o Ensino seja feito com base em estatísticas e o que realmente interessa é poder aumentar o número de licenciados, para depois a Dona Merkel, ou qualquer outra personalidade do contexto europeu, nos possa dar uma palmadinha nas costas e um sorriso amarelo como quem diz: “Portaste-te bem”. E estes cursos? Têm “cheirinho” a fundos Europeus.
Estamos assim, a lutar e a debater na FNAEESP (Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico) estas ideias, uns mais a favor e outros mais discordantes, mas com a certeza que não somos mais que um órgão consultivo do Ministério.
E também esperamos sinceramente que Nuno Crato volte aos treinos, porque com tanta bola ao lado, não há clube que aguente!