terça-feira, janeiro 28, 2014
E tudo a Praxe levou...
Tornou-se no assunto da moda falar de Praxe. Fala-se desde o café do Manel até ao supermercado da dona Ana e toda a gente tem opinião, uma opinião que vai desde o estúpido ao ridículo e do completo à total descontextualização. Fala-nos no jornal tanto o Senhor Zé do Talho como a Doutora Mestre Socióloga, especialista em fenómenos de praxe. Aliás o que é giro é toda a gente ter uma opinião. Eu próprio tenho uma, mas já que a Mixórdia de Temáticas está parada, sempre podemos tentar ouvir as opiniões de certos analistas que não percebem nada daquilo, mas que falam de maneira correctíssima o que parece conferir uma certa importância ao que dizem.
O que é giro é ver este tiroteio e humilhação pública face à praxe. Se fosse uma pessoa, teríamos de ligar para a APAV, que as nódoas negras já se sentem à flor da pele. E toda a gente aponta armas, agora, à praxe, com as balas a serem disparadas de quase todo o lado. Espero que a Judiciária faça o seu trabalho na Comissão de Protecção à Vitima.
O mais giro é que este país começa a parecer-se um circo, e até me admira como José Cardinal ainda não se candidatou a primeiro de ministro. Primeiro foram apresentados os números dos trapezistas das bancadas parlamentares a cortar ordenados e a subir nos seus próprios subsídios, depois os palhaços da co-adopção que exibiram anedotas à cerca das verificações da orientação sexuais em vez de examinar o amor que estas crianças recebem. Agora temos os malabaristas que procuram encontrar através de um esforço de equilibrio semelhanças relativas ao Meco e às praxes, conseguindo por toda a gente distraída com o assunto, enquanto vamos vivendo na pior crise que já presenciei, com as palermices e das injustiças que se vão cometendo.
O público aplaude e vai vivenciando estes números sobre a batuta dos jornais e da comunicação social, e o ministro Crato até já convocou inúmeras pessoas para discutir praxe. Espero que se fale deste assunto importantíssimo, e se tomem grandes decisões sobre este assunto, visto que estamos um bocado fartos que não convoquem os alunos e os professores para falar de coisas importantes. Por exemplo, não devemos prender-nos com assuntos relativos aos novos cursos de curta duração que o ministério está a tentar impor, sem consultar ninguém, nem sequer com a redução de orçamentos e bolsas de estudo, nem com assuntos relativos à qualidade de ensino. Se há assunto que mereça é falar de PRAXE.
Espero que os ministérios sigam este exemplo e que nos próximos tempos se abordem grandes questões como a quantidade de chouriças vendidas na Feira de Enchidos de Mirandela, os 3 meses que o Senhor Aires está à espera daquela peça para o automóvel e a baixa percentagem de ambulâncias da marca Honda que existem em Portugal, entre outras.
Espero que este país entre finalmente nos eixos. Pelos Automóveis e pelos Enchidos, marchar, marchar!
domingo, janeiro 12, 2014
A incerteza das palavras: coragem de arriscar
Ninguém parecia estar acordado naquela madrugada no número 5 de Harrinson Park, onde as luzes da rua pareciam ser apenas o único sinal da ténue vida que ali se perpetua e onde apenas a centrifugação de uma tal máquina de lavar fazia de barulho de fundo e inundava aquela casa.
Mas lá ao longe, na porta mais distante da casa, entreaberta, havia uma pequena luz, de um pequeno candeeiro que iluminava de forma leve a secretária e o barulho da lapiseira que se arrastava e desenhava novos sentimentos e reais descrições no papel disposto junto aos cadernos da secretária.
Ao voltar-se na cadeira, aparece-nos uma figura masculina, de barba por fazer e cabelo castanho, de olhar vago e de olheiras carregadas, de quem já não tem uma boa noite de sono há alguns dias. O cansaço e o trabalho dominavam o ar que era combativo posteriormente com uma caneca de café gigante que se dispunha também na secretária.
É incrível como às vezes nos comprometemos tanto no trabalho, ou nos centramos em coisas com pouco significado, divagando no vazio e nas nossas próprias ilusões, como que egoístas. Por vezes estamos tão preocupados com este quintal que é nosso, que nem percebemos que é preciso fazer as pessoas sentir que gostamos delas, é preciso dar-lhes atenção e mostrar que nos importamos. Várias vezes passamos e dizemos um "olá", quando a pergunta certa era um "estás bem?".
"Há quanto tempo não és tu próprio?"
A frase parecia embater em George, o tal rapaz das olheiras carregadas. Estava uma vez mais sobrecarregado de trabalho e entusiasmado com a perspectiva de publicar a sua maior colecção de livros, que não tinha feito mais nada que aperfeiçoar cada frase que iria ser publicada, para dar ao público um impacto enorme.
Olhava agora para aquela frase e estranhamente sentira-a como poucos. É verdade que tinha sido ele a escrevê-la num desses volumes dos seus romances históricos, mas agora aquelas palavras embatiam nele como que uma avalanche. O cheiro da casa ainda intensificava mais este cenário.
Verónica vivia a dois quarteirões, na avenida de Stamford, e já não falava com ela desde os últimos dias de sol de Setembro, onde começara intensamente a trabalhar naquele projecto. Gostava dela, mas não sentira ainda um "click" nem a confiança certa para lhe dizer.
Com todo o trabalho que desenvolvia agora, lembrava-se que as últimas palavras tinham surgido por uma discussão qualquer e que nem as coisas ficaram bem resolvidas, nem assim pareciam estar. Ela sabia que ele estava ocupado e além disso parecia não haver nada a dizer, como que um bloqueador de conversa que se impunha entre os dois, apesar de saberem que ambos poderiam iniciar uma conversa em segundos.
Há coisas inexplicáveis, que dependem apenas da nossa capacidade de perdoar, da capacidade de ter coragem de ser felizes.
George, olhou para o relógio de pêndulo que por ali estava e pronunciou vagarosamente as horas: "três-e-cin-quen-ta-e-sete". Quase quatro da manhã, e ainda assim estava de pé. Olhou uma vez mais para os livros e lembrou-se de uma música que tinha ouvido há uns tempos: "Nada dura para sempre". Incrivelmente não era, antes de mais, uma música derrotista, mas sim sobre a intensidade da vida. Viver o momento e sentir como se fosse para sempre... as pessoas precisavam tanto disto. Mas não! Somos teimosos e interesseiros, preocupados apenas em cuidar do que roda à volta de nós. Sem sair da caixa.
Talvez Verónica estivesse acordada...
Marcou o número com uma agilidade e rapidez incrível, ficando a fitar o nome que lhe aparecia no ecrã. As dúvidas eram imensas, mas a decisão parecia estar a ganhar confiança. Afinal tinha de arriscar, não?
O telefone tocou várias vezes...
Pensou que talvez ela estivesse de facto a dormir, que o seu trabalho a deixasse exausta e tivesse tirado o fim-de-semana para esse descanso. Ou, na pior das hipóteses, estivesse com outra pessoa, que tivesse tido mais coragem que ele. Talvez fosse melhor desligar...
- Sim?
No último fôlego, a voz que tanto queria ouvir pronunciou-se e um clima diferente instalou-se por aquela secretária e a luz ténue pareceu ficar mais brilhante.
- Verónica?
O nome era intenso de cada vez que o pronunciava e o seu nervosismo parecia evidente, mesmo para quem estivesse do outro lado da linha.
- Sou mesmo eu George... Passa-se alguma coisa?
Só agora é que tinha percebido que eram quatro da manhã, uma hora incomum das pessoas ditas normais se telefonarem, mas que não ia influenciar em nada as suas convicções.
- Era só para saber... se queres ir tomar café amanhã? Eu sei que é domingo, e claro, se tiveres o que fazer e...
- Sim, eu posso.
- Ah, pois. Melhor. Então às 16h no Goodinson's?
- Claro. Lá estarei. Não te atrases.
- Se alguém tem de esperar por ti, sou eu!
E riram-se. Riram-se como se o mundo tivesse ganhado uma nova força, um novo sentido. Como se as coisas se tornassem mais fáceis, e apesar de a esperança ser a única força de George, agora as coisas podiam fazer sentido.
"As nossas dúvidas são traidoras e fazem-nos perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar."
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