Mas nem se quer é isto que me causa mais surpresa... A surpresa maior é elas serem tão parecidas. A rapariga dos cabelos castanhos não é apenas um produto dos meus sonhos, ou então a minha vida tornou-se nesse produto. A mesma cor, o mesmo tom de voz, a mesma comunicação, o sorriso e até a própria vida é idêntica às palavras que faziam esses textos. Ela é produto de mim, ou eu produto dela.
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O meu quarto está vazio, a mala ao canto, as prateleiras cobertas de apontamentos e livros sobre protecções, intensidades e fotografias escuras médicas. Procuro ajeitar a cama, arrumar as sapatilhas do jogo de futebol e escuto as conversas que vem da rua. No pensamento já está a viagem que faço hoje, procurando sair e exilar-me por algumas horas do mundo. É sexta-feira, e a rapariga de cabelos castanhos procura-me num ápice, desenhando histórias e escrevendo no meu mundo com cores de amarelo e azul, olhando o céu redondo no horizonte, onde o sol se despede com um "até já", prometendo um breve descanso à guarda da lua.Olho em volta e vejo fotografias de tempos felizes, de olhares distantes e alegres, de pensamentos brilhantes sobre homens e mulheres que o tempo levou, ou por este motivo, ou por aquele... Sinto-a abraçar-se a mim e olhar para as molduras, dizendo-me qualquer coisa impreceptivel. Sei que não está bem, sei que lhe custa ainda ouvir os paços dele no soalho da casa, ou a voz rouca e grave com que lhe diria bom-dia. Mas no final de contas, ela fez aquilo que de mais correcto podia fazer, e eu orgulho-me disso.
Procuro-a na moldura e comento a doçura da sua figura de criança, do sorriso sincero e mimado que fazia. Ela escuta-me longe, procurando o presente e deixando o passado de parte. E aí, ela olha-me nos olhos, procura-me na voz e vivemos o presente, na prespectiva de um futuro, de um tempo melhor que nos faça levantar todos os dias com a força da alegria. E o meu olhar dissolve-se no dela, permanecendo como o universo. Eterno.